E LHES ENXUGARÁ DOS OLHOS TODA LÁGRIMA

E LHES ENXUGARÁ DOS OLHOS TODA LÁGRIMA

R. C. Sproul¹

Como pastor e teólogo, tive que pensar em muitas questões difíceis ao longo dos anos. Verdade seja dita, no entanto, o problema mais difícil que enfrentei foi o problema do sofrimento. Todos nós enfrentamos o sofrimento de alguma forma e conhecemos pessoas que viveram vidas tão dolorosas que nos perguntamos como elas puderam prosseguir.

Longe de nós queremos minimizar ou negar a dor que o sofrimento traz. O cristianismo não é um sistema de negação estoica, no qual fingimos que está tudo bem mesmo quando estamos suportando as piores coisas. Ao mesmo tempo, não nos atrevemos a esquecer a esperança cristã de que um dia o sofrimento sumirá para sempre. Quando lidamos com o sofrimento, tendemos a fixar completamente nossa visão no presente, mas a resposta cristã ao sofrimento olha para além do presente, olhamos para o futuro, ao mesmo tempo em que tentamos, tanto quanto formos capazes, aliviar o sofrimento do presente.

A verdadeira essência do secularismo está na tese de que o “hic et nunc”, o aqui e agora, é tudo o que existe, não há reino do eterno. Entretanto, como cristãos, somos chamados a considerar o presente à luz do eterno. É isso que Jesus pregou repetidas vezes. Que aproveita ao homem se, nesse momento e lugar, ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua própria alma? (Lc 9.25).

A Escritura diz que o fim define o significado do começo (Ec 7.8). Somente Deus conhece, de forma abrangente, o fim desde o princípio, mas em sua Palavra Ele nos dá um vislumbre do fim para o qual estamos nos movendo, se pudermos concentrar nossa atenção no final, e não apenas no agora e na dor que experimentamos aqui, podemos começar a entender nossa dor na perspectiva correta.

Ao revelar o novo céu e a nova terra, Apocalipse 21–22 nos dá um dos vislumbres mais claros do futuro. Deixe-me tocar em alguns destes vislumbres.

“Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima”, (Ap 21.3-4). Quando eu era menino, minha vida era difícil. Havia um menino valentão em nossa comunidade que era muito maior do que eu. Às vezes, ele me batia e eu corria para casa chorando. Minha mãe, que estava na cozinha com seu avental, dizia: “venha aqui”. Eu entrava, ela se inclinava e enxugava com a barra do avental minhas lágrimas – uma das formas mais carinhosa de comunicação. Quando minha mãe enxugava minhas lágrimas, eu realmente me sentia confortado e era encorajado a voltar para a batalha. Então eu voltava, mas, mais cedo ou mais tarde, eu me machucava novamente, chorava de novo e minha mãe tinha que enxugar minhas lágrimas mais uma vez. Porém, quando Deus enxugar nossas lágrimas, elas nunca mais fluirão novamente, por toda a eternidade (a menos, claro, que sejam lágrimas de alegria).

Essa é a perspectiva eterna. Esse é o fim que resulta do início. Nesse momento nós vivemos no vale das lágrimas, mas essa situação não é permanente porque Deus enxugará nossas lágrimas.

João diz também: “a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto,” (v 4). Morte, tristeza, choro, dor, tudo isso pertence às coisas anteriores que passarão. Posso imaginar uma conversa que eu teria com você na Nova Jerusalém. Você diria: “Lembra-se de quando nos preocupávamos com o problema do sofrimento”? Então eu responderia: “Mal me lembro do que era isso”.

No versículo 22, lemos sobre outra coisa que não existirá na Nova Jerusalém. Lá, não somente não haverá mais tristeza ou morte como também não haverá templo. Mas como pode a nova Jerusalém ser a cidade santa sem um templo? Bem, o que João está dizendo é que não haverá um templo físico mas um outro tipo de templo. João diz: ” Nela, não vi santuário, porque o seu santuário é o Senhor, o Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro”. O mais belo santuário terrestre neste mundo será algo ultrapassado na nova Jerusalém porque estaremos na presença de Deus e do Cordeiro.

“Nunca mais haverá qualquer maldição” (22.3). Você conhece aquela música “Joy to the World² ”? Eu amo a frase da música que termina com “até onde a maldição é encontrada”. Até que ponto é isso? Nessa escuridão presente, a maldição se estende até aos confins da terra, até nossas vidas, nossos trabalhos, nossos negócios, nossos relacionamentos. Todos sofrem sob as dores da maldição de um mundo caído e é por isso que há um anseio cósmico, onde toda a criação geme esperando pela manifestação dos filhos de Deus, esperando pelo momento em que a maldição será removida (Rm 8.19). Não haverá ervas daninhas nem joio na nova Jerusalém. A terra não oferecerá resistência aos nossos arados porque a maldição não será encontrada. “Nela, estará o trono de Deus e do Cordeiro. Os seus servos o servirão” (Ap 22.3).

Portanto nós temos a maior esperança de todas, a mais formidável promessa do Novo Testamento: nós veremos a face de Deus (v 4). Por toda a nossa vida podemos nos aproximar do Senhor, podemos sentir a sua presença e conversar com ele, mas não podemos ver o seu rosto. Porém, se perseverarmos em meio a dor e o sofrimento deste mundo presente, a visão de Deus nos espera do outro lado. Você pode imaginar isso? Você pode imaginar-se olhando, por um segundo, para a glória desvendada de Deus? Isso fará com que cada dor que eu já tenha experimentado neste mundo valha a pena.

“Estas palavras são fiéis e verdadeiras” (v. 6): não são os remédios ou o ópio que vão atenuar nossa dor, mas a verdade do Deus Todo Poderoso, que nos fez e nos conhece, que pelo sofrimento de seu Filho redimiu seu povo. Ele agora garante que, se estamos em Cristo somente pela fé, estamos destinados à glória, e nada pode descarrilar esse trem. Essas coisas que nos causam tanto sofrimento passarão e ele fará nova todas as coisas.

FONTE: VoltemosaoEvangelho.com

¹ R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. Foi ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida. Foi fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências, autor de mais de sessenta livros, vários deles publicados em português, e editor geral da Reformation Study Bible.

² “N.T.” A música, a qual o autor se refere, foi traduzida para o português e é mais conhecida por “Jesus Nasceu”. No entanto, a frase citada no texto se encontra em uma porção da música que não foi traduzida para o nosso idioma.

O SEGUNDO ADÃO

O SEGUNDO ADÃO

Dr. Guy Prentiss Waters¹

O apóstolo Paulo não acreditava que os seres humanos são basicamente pessoas boas que fazem coisas ruins. Os capítulos iniciais de sua epístola aos Romanos são dedicados à proposição de que, com exceção de Jesus Cristo, todo ser humano é por natureza injusto, culpado e merecedor de morte. “Todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado” conclui Paulo (Rm 3.9).

Esse retrato desolador e impiedoso da humanidade levanta ao menos duas questões: Por que é que não vemos exceções à depravação total universal? Existe qualquer esperança para pecadores que estão debaixo da justa condenação de Deus e que são incapazes de se livrarem do julgamento divino? Paulo responde ambas essas perguntas de forma inesperada em Romanos. Nossa difícil situação como pecadores pode ser traçada de volta até Adão. Nossa única esperança como pecadores está no segundo Adão, Jesus Cristo. Em Romanos 5.12–21, o apóstolo nos ajuda a enxergar como a obra de cada homem, Adão e Jesus, afeta os seres humanos hoje.

Em Romanos 5.14, Paulo diz que Adão “prefigurava aquele que havia de vir” isto é, Jesus Cristo. Como Jesus, Adão foi um ser humano histórico e de verdade. Embora Jesus não seja meramente um homem, ele é um homem de verdade. Paulo aqui afirma a correspondência entre Adão e Jesus. É em 1 Coríntios que o apóstolo fornece uma linguagem que nos ajuda a entender melhor a relação deles. Se Adão é “o primeiro homem,” então Jesus é “o último Adão” (1 Co 15.45). Adão é “o primeiro homem”; Jesus, “o segundo homem” (v. 47). Adão e Jesus são homens representantes. Ninguém fica entre o primeiro homem e o último Adão. E ninguém vem depois de Jesus, o segundo homem. Todo ser humano em toda época e lugar do mundo, Paulo nos conta, está em uma relação representativa ou com Adão ou com Jesus (ver vv. 47–48). É no contexto dessa relação que o que o representante fez se torna posse do representado.

Em Romanos 5, Paulo apresenta essas relações representativas sob o microscópio. O apóstolo quer que vejamos como é que a “uma ofensa” de Adão afeta todos os que estão em Adão. Ele faz isso para ajudar os crentes (aqueles que estão “em Cristo”) a enxergar como é que a obediência e morte de Cristo os afeta.

Alguns dos mais importantes termos que Paulo usa em Romanos 5.12–21 derivam do tribunal. Contra a “condenação” que pertence aos que estão em Adão está a “justificação” que pertence aos que estão em Cristo (vv. 16, 18). A palavra comumente traduzida como “feitos” no versículo 19 (“Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos [κατεστάθησαν] pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos [κατασταθήσονται] justos” [ênfase do autor]) é mais precisamente traduzida como “designados”. O ponto de Paulo nesse versículo não é nem que o pecado de Adão nos transforma em indivíduos pessoalmente pecadores, nem que a obediência de Jesus nos transforma em indivíduos pessoalmente justos. O seu ponto aqui é que, à luz da desobediência de Adão, aqueles que Adão representa pertencem a uma nova categoria legal (pecador). De maneira similar, é por causa da obediência de Jesus que o seu povo tem permissão para entrar em uma nova categoria legal (justo).

O termo técnico teológico que descreve a transação envolvendo o representante e o representado é imputação. O um pecado de Adão é imputado (contabilizado, computado) a todos que ele representa. Como resultado dessa transação, todos os que estão “em Adão” entram em condenação. Quer dizer, eles são passíveis de justiça divina por conta do um pecado de Adão imputado a eles. Por outro lado, a justiça de Cristo é imputada a todos que ele representa. Como resultado dessa transação, todos que estão “em Cristo” são justificados. Deus os conta como justos, não por qualquer coisa que eles tenham feito, estão fazendo ou um dia farão. Deus justifica pecadores somente com base na perfeita obediência e completa satisfação de Cristo, que Deus imputa a eles e que eles recebem pela fé somente.

As duas imputações de Romanos 5.12–21 fornecem resposta às duas questões levantadas acima. A razão pela qual “não há justo, nem um sequer” (3.10) deriva do fato de que todos os seres humanos, exceto o segundo Adão, são por natureza condenados em Adão. Em conjunto com a condenação universal, Paulo nos mostra, está a depravação universal. É à luz da imputação do primeiro pecado de Adão aos seres humanos que essas pessoas culpadas, do momento de sua concepção, herdam a natureza caída de seus pais.

Por essas razões, não há esperança ou auxílio a ser encontrado nos que estão “em Adão”, nem também entre eles. Mas esperança e auxílio estão disponíveis para pecadores. Eles são encontrados somente em Jesus Cristo, o segundo e último Adão. Através da fé em Cristo somente, o pecador recebe a justiça de Cristo. Na base da sua justiça somente, o pecador é justificado. Seus pecados são perdoados e ele é contado como justo no tribunal de Deus. Unido a Cristo e justificado através da fé nele, o crente vem a ser transformado segundo a imagem de Cristo no poder do Espírito Santo.

Uma dificuldade que as pessoas têm expressado comumente em relação ao ensino de Paulo em Romanos 5.12–21 pode ser resumida na objeção, “Não é justo!” Muitos perguntam: “É realmente justo que Deus me castigue por algo que outra pessoa fez? Afinal, ninguém nunca me perguntou se eu queria ser representado por Adão. Como um Deus bom e justo poderia me condenar nesses termos?”

Essa objeção é séria e merece uma reflexão cuidadosa. Na verdade, a relação representativa que Deus instituiu entre Adão e os seres humanos destaca a bondade, soberania e justiça de Deus. A bondade de Deus é evidente na maneira como ele lida com Adão no jardim do Éden, e que se estende a cada pessoa que Adão representa. Deus criou Adão um homem justo. A forma de Adão pensar, escolher, sentir e seu comportamento eram todos sem pecado. Deus colocou Adão no paraíso e permitiu que ele aproveitasse sua generosidade. Deus ofereceu a Adão a promessa de vida eterna confirmada e exigiu dele apenas que se abstivesse, por um tempo, de comer de uma única árvore no jardim. É difícil conceber circunstâncias mais vantajosas para o nosso representante, Adão. Cada detalhe da aliança que Deus fez com Adão reflete a bondade de Deus. Teríamos nós como pecadores, que vivem entre pecadores em um mundo pecaminoso, qualquer esperança de prospectos melhores dos que Adão teve como nosso representante no jardim do Éden?

A relação representativa que Deus designou entre Adão e sua prole ordinária também dão testemunho da soberania e justiça de Deus.  Ambos, Adão e nós, somos criações das mãos de Deus. Deus tem o direito de comandar nossas vidas da forma como ele quiser, e nós não temos direito algum de cobrar dele uma prestação de contas (ver Rm. 9.19–20). Agindo como ele age, Deus não comete nenhuma injustiça a nós. Pelo contrário, ele age de acordo com seu caráter justo.

Devemos nos lembrar pelo menos de duas considerações adicionais e relacionadas ao pensarmos sobre a relação que Deus instituiu entre Adão e os seres humanos. Primeiro, Deus não instituiu tal relação entre os anjos. Cada anjo se encontra em uma posição individual perante Deus. Alguns anjos têm permanecido obedientes a Deus, enquanto outros anjos caíram em pecado. Deus não providenciou um mediador para esses anjos caídos, e ele não os oferece misericórdia salvadora. Tendo “[abandonado] o seu próprio domicílio,” eles estão “[guardados] sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia” (Judas 6).

Em segundo lugar, é através do mesmo tipo de relação representativa na qual nós, em Adão, caímos em pecado que Deus tem redimido pecadores caídos e indignos. Quando o pecador é unido a Jesus Cristo através da fé somente, ele passa de condenação para justificação e gratuitamente recebe a justiça de Jesus Cristo. O pecador não recebe esse presente de justiça por causa de nada que ele próprio tenha feito, está fazendo ou irá um dia fazer. Deus, pelo contrário, graciosamente imputa essa justiça ao pecador, que a recebe pela fé. E até essa fé é dom de Deus (Ef 2.8; Fp 1.29).

Por essa razão, nós como cristãos olhamos para a salvação que recebemos em Cristo e dizemos, “Não é justo!” Dizemos isso não com punhos cerrados de raiva e resistência, mas com a mão aberta de louvor e ação de graças. As boas-novas do evangelho são que Deus não nos deu o que merecemos. O que merecemos é condenação eterna. Mas Deus derramou nossos pecados em Jesus Cristo na cruz, e ele creditou a nós a justiça de seu Filho quando cremos (2 Co 5.21). Deus não nos deu o que é devido. Ele nos deu o que é devido a Cristo. Ele nos deu bênção no lugar de maldição, justificação no lugar de condenação, vida no lugar de morte e esperança no lugar de desespero. E ao fazer isso, mostrou-nos ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé no seu Filho (ver Rm 3.26).

No dia do julgamento, pecadores impenitentes não serão capazes de culpar ninguém além de si mesmos (2.1–11). Eles serão sentenciados e condenados justamente, e suas “bocas serão caladas” [4] (Rm 3.19). Nesse mesmo dia, nós como redimidos não nos orgulharemos em nós mesmos. Atribuiremos todo louvor e glória ao nosso Salvador, o segundo Adão, o Senhor Jesus Cristo.

Esse dia ainda não chegou. Até lá cristãos podem começar a louvar a Cristo em mente e corpo, em palavra e obra. E podemos apontar outros ao Deus que, sendo rico em misericórdia e abundante em amor, vivifica pecadores mortos juntamente com Cristo (Ef 2.4–5).

FONTE: VoltemosaoEvangelho.com

¹Dr. Guy Prentiss Waters é professor de Novo Testamento no Reformed Theological Seminary em Jackson, Mississippi. Ele é autor do livro How Jesus Runs the Church.

DEUS, A MELHOR PORÇÃO DO CRISTÃO

DEUS, A MELHOR PORÇÃO DO CRISTÃO

Jonathan Edwards

“Quem tenho eu no céu senão a ti? E na terra não há quem eu deseje além de ti.” (Salmos 73:25)

Neste salmo, o salmista Asafe relata a grande dificuldade que havia em sua mente ao observar os ímpios. Ele diz nos versículos 2 e 3: “Quanto a mim, porém, quase me resvalaram os pés; pouco faltou para que se desviassem os meus passos. Pois eu invejava os arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos”. No versículo 4, nos informa o que, nos ímpios, era o motivo de sua tentação. Em primeiro lugar, observa que eram prósperos e tudo lhes ia bem. Observa também o comportamento deles na prosperidade e o uso que faziam dela; e que Deus, apesar dos abusos, aumentava-lhes a prosperidade. Então, nos mostra de que maneira foi auxiliado nessa dificuldade, isto é, indo ao santuário (vv. 16-17), e procede para nos informar quais foram as considerações que o auxiliaram lá:

1. A consideração do fim miserável dos ímpios. Ainda que prosperem no presente, chegarão, contudo, a um lamentável fim (vv. 18-20).

2. A consideração do fim bendito dos santos. Embora esses enquanto vivem possam ser afligidos, contudo terão um fim feliz (vv. 21-24).

3. A consideração de que o justo possui uma porção muito superior à do ímpio, embora não possua outra porção senão Deus, como mostra o texto e os versículos seguintes.

Ainda que os ímpios vivam na prosperidade e não tenham problemas como os demais homens, contudo os piedosos, mesmo afligidos, estão em estado infinitamente melhor, porque têm Deus por sua porção. Não precisam desejar nada mais, pois quem tem Deus, tem tudo. Assim o salmista professa o senso e apreensão que teve das coisas: “Quem mais tenho eu no céu? E na terra não há quem eu deseje além de Ti” (Salmos 73:25)

No versículo imediatamente anterior (Salmos 73:24), o salmista observa como os santos são felizes em Deus, tanto quando estão neste mundo, como quando são levados ao outro. São benditos em Deus aqui, pois Ele os guia com os Seus conselhos; e quando os toma, ainda são felizes, pois Ele os recebe na glória. Provavelmente isso o levou, no texto, a declarar que não desejava outra porção quer neste mundo ou no porvir, quer no céu, quer na terra.

Daí aprendemos que:

Doutrina: É o espírito de um homem verdadeiramente piedoso preferir Deus antes de todas as coisas, quer no céu, quer na terra.

I. Um homem piedoso prefere Deus antes de todas as coisas no céu.

1. Ele prefere Deus antes de qualquer coisa que haja, de fato, no céu. Todo homem piedoso tem o Céu no coração. Suas afeições estão depositadas no que deve haver lá. O Céu é sua pátria e herança escolhidas. Ele tem respeito pelo Céu assim como um viajante, que está em terra distante, tem pelo seu país. O viajante pode contentar-se em estar em terra estranha por pouco tempo, mas sua própria terra nativa é preferida por ele acima de tudo (Hebreus 11:13): “Todos estes morreram na fé sem ter obtido as promessas; mas foram persuadidos delas e confessaram que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo manifestam estar procurando uma pátria”. O respeito que o justo tem pelo Céu pode ser comparado ao de uma criança, que está no estrangeiro, tem pela casa de seu pai. Ela pode estar satisfeita por pouco tempo, mas o lugar para onde deseja retornar e onde quer morar é sua própria casa. O Céu é a morada do Pai dos verdadeiros santos. João 14:2: “Na casa de meu Pai há muitas moradas”. João 20:17: “Subo para meu Pai e vosso Pai”.

Agora, a razão pela qual os piedosos têm desse modo o coração no Céu é porque Deus está lá — é o palácio do Altíssimo. É o lugar onde Deus está gloriosamente presente, onde Seu amor é gloriosamente manifesto, onde o piedoso pode estar com Ele, vê-lO como Ele é, e amá-lO, servi-lO, louvá-lO e gozá-lO perfeitamente. Se Deus e Cristo não estivessem no céu, eles não seriam tão ávidos em buscá-lo, nem suportariam tantas dores em uma laboriosa jornada através deste deserto, nem a consideração de que irão ao Céu após a morte serviria de conforto nos labores e aflições. Os mártires não suportariam sofrimentos cruéis de seus perseguidores com uma alegre perspectiva de irem ao céu, se lá não esperassem estar com Cristo, e regozijar-se com Deus. Não esqueceriam alegremente as suas posses terrenas, e todos os amigos mundanos, como milhares deles fizeram, vagando na pobreza e na rejeição, sendo indigentes, afligidos, atormentados, trocando sua herança terrena por uma celestial, não fosse sua esperança de estar com seu glorioso Redentor e com o Pai celeste. O coração do crente está no céu, porque o seu tesouro está lá.

2. O homem piedoso prefere Deus antes de qualquer coisa que possa haver no céu. Não apenas não há nada no Céu que rivalize na sua estima com Deus; mas nada há que ele possa conceber, nada que possivelmente esteja lá, que seja mais estimado ou desejado por ele do que Deus. Alguns supõem que há no Céu delícias bem diferentes daquelas que as Escrituras nos ensinam. Os muçulmanos, por exemplo, supõem que no Céu devem ser desfrutados todos os tipos de delícias e prazeres sensuais. Muitas coisas que Maomé inventou são das mais convenientes para as luxúrias e apetites carnais dos homens que se possa imaginar, e, com elas, lisonjeou seus seguidores. Mas os verdadeiros santos não conseguem imaginar algo mais adequado a suas inclinações e desejos do que o que está revelado na Palavra de Deus: um Céu de gozo do Deus glorioso e do Senhor Jesus Cristo. Lá, estarão livres de todos os seus pecados, e serão perfeitamente conformados a Deus, e passarão uma eternidade em exercícios exaltados de amor por Ele, e no usufruto do Seu amor. Se Deus não pudesse ser usufruído no céu, mas apenas vasta riqueza, imensos tesouros de prata e ouro, grande honra do tipo que os homens obtêm neste mundo, e uma plenitude dos maiores prazeres e delícias sensuais, nenhuma dessas coisas suplantaria a necessidade por Deus e por Cristo, nem a fruição deles no céu. Se este estivesse vazio de Deus, seria de fato um lugar solitário e melancólico. O piedoso está sensível que todas as diversões humanas não podem satisfazer a alma; e, portanto, nada o contentará senão Deus. Ofereça a ele o que for, se o privar de Deus, considerar-se-á miserável. Deus é o centro dos seus desejos e quando você afasta sua alma do seu centro, ela não terá descanso.

II. É a disposição natural de um homem piedoso preferir Deus a todas as coisas sobre a terra.

1. O santo prefere esse gozo de Deus, pelo qual espera no porvir, a qualquer coisa neste mundo. Não olha tanto para as coisas que são visíveis e temporais, mas para as invisíveis e eternas (1 Coríntios 4:18). O santo não desfruta senão um pouco de Deus neste mundo; não tem senão pouca intimidade com Deus, e goza um pouco das manifestações de Sua glória e amor divinos. Mas Deus prometeu lhe dar, no porvir, plena fruição. E estas promessas são mais preciosas para o santo que as mais preciosas joias terrenas. O evangelho contém maiores tesouros, em sua estima, que os cofres de príncipes ou as minas dos índios.

2. Os santos preferem o que pode ser obtido de Deus nesta vida a todas as coisas no mundo. Há grande diferença nas realizações espirituais presentes dos santos. Alguns atingem maior intimidade e comunhão com Deus e conformidade com Ele que outros. Mas as maiores realizações são ínfimas em comparação às futuras. Os santos são capazes de progredir nas realizações espirituais e sinceramente desejam estas realizações adicionais. Não contentes com os graus já alcançados, estão famintos e sedentos de justiça e, como crianças recém-nascidas, desejam o sincero leite da Palavra, para que, por ela, possam crescer. É seu desejo conhecer mais de Deus, ter mais de Sua imagem, e serem capacitados ainda mais à imitação de Deus e de Cristo em sua caminhada e conversação. Salmos 27:4: “Uma coisa peço ao SENHOR, e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR e meditar no seu templo”. Salmos 42:1-2: “Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim por ti, ó Deus, suspira a minha alma. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei e me verei perante a face de Deus?” Salmos 63:1-2: “Ó Deus, tu és o meu Deus, eu te busco intensamente; a minha alma tem sede de ti! Todo o meu ser anseia por ti, numa terra seca, exausta e sem água”. Veja também o Salmos 84:1-3 e Salmos 130:6: “A minha alma anseia pelo Senhor mais do que os guardas pelo romper da manhã. Eu digo, mais do que os guardas pelo romper da manhã”.

Ainda que nem todo santo tenha este ávido desejo por Deus no mesmo grau que tinha o salmista, contudo são do mesmo espírito; desejam sinceramente ter mais de Sua presença em seus corações. Que este é o temperamento do piedoso em geral e não apenas de alguns santos em particular, mostra-se em Isaías 26:8-9, onde se fala não de algum santo em particular, mas da igreja em geral o seguinte: “Também através dos teus juízos, SE-NHOR, te esperamos; no teu nome e na tua memória está o desejo da nossa alma. Com minha alma suspiro de noite por ti e, com o meu espírito dentro de mim, eu te procuro diligentemente; porque quando os teus juízos reinam na terra, os moradores do mundo aprendem justiça”. Veja também Cânticos 3:1-2; 5:6-8.

Os santos nem sempre estão nestes vívidos exercícios da graça: mas possuem tal espírito e têm o sensível exercício dele. Desejam Deus e as realizações Divinas mais do que todas as coisas terrenas; e buscam ser ricos em graça mais do que fazem para obter todas as riquezas. Desejam a honra que procede de Deus, mais do que a dos homens (João 5:44) e comunhão com Ele mais do que qualquer prazer terreno. São do mesmo espírito que o apóstolo expressa em Filipenses 3:8: “Sim, deveras considero tudo como perda por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo”.

3. O santo prefere o que já tem de Deus a qualquer coisa neste mundo. O que foi infundido no seu coração na conversão lhe é mais precioso que qualquer coisa que o mundo possa ofertar. As visões que, às vezes, lhe são concedidas da beleza e excelência de Deus, lhe são mais preciosas que todos os tesouros dos ímpios. Ele valoriza mais a relação de filho na qual está para com Deus, a união que há entre sua alma e Jesus Cristo, do que a maior dignidade terrena. Essa imagem de Deus que está estampada em sua alma, ele valoriza mais do que quaisquer ornamentos terrenos. Em sua estima, é melhor ser adornado com as graças do Espírito Santo de Deus do que brilhar em joias de ouro, e com as mais caras pérolas, ou ser admirado pela maior beleza exterior. Valoriza mais o manto da justiça de Cristo, que tem em sua própria alma, do que os mantos de príncipes. Prefere os prazeres e delícias espirituais que, às vezes, tem em Deus, muito mais que todos os prazeres do pecado. Salmos 84:10: “Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil; prefiro estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade”.

Desse modo, o santo prefere Deus a todas as coisas neste mundo, pois:

1. Prefere Deus a todas as coisas que possui no mundo. Prefere Deus a todos os gozos temporais. Salmos 16:5-6: “O SENHOR é a porção da minha herança e o meu cálice; tu és o arrimo da minha sorte. Caem-me as divisas em lugares amenos, é mui linda a minha herança”. Se for rico, o seu coração está principalmente nas riquezas celestiais. Prefere Deus a todos os amigos terrenos, e o favor Divino a qualquer respeito obtido de criaturas semelhantes. Embora, inadvertidamente, tenham lugar no seu coração, e lugar até demais; contudo reserva o trono para Deus. Lucas 14:26: “Se alguém vem a mim e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs e ainda a sua própria vida, não pode ser meu discípulo”.

2. Ele prefere Deus a qualquer prazer terreno do qual tenha perspectiva. Os filhos dos homens põem, comumente, sua confiança mais em alguma felicidade terrena que esperam e pela qual buscam, do que naquilo que têm em posse no presente. Mas um homem piedoso prefere Deus a todas as coisas que espera neste mundo. Ele pode, com efeito, pela prevalência da corrupção, deixar-se por um tempo se levar por algum divertimento; contudo, cairá novamente em si, não sendo este seu temperamento, uma vez que é outro o seu espírito.

3. É o espírito de um homem piedoso preferir Deus a qualquer gozo terreno que possa conceber. Prefere-o não apenas a qualquer coisa que possui, mas nada vê em posse de outras pessoas que seja tão estimável. Tivesse ele a maior prosperidade do mundo, ou pudesse satisfazer todos os seus desejos terrenos, ainda assim, valorizaria a porção que já tem em Deus incomparavelmente mais. Ele prefere Cristo aos reinos terrenos.

Aplicação

1. Portanto, podemos aprender que quaisquer que sejam as mudanças pelas quais passe o justo, ele é feliz. Isso porque Deus, que é imutável, é sua porção preferida. Embora enfrente perdas temporais, seja privado de muitas, sim, até mesmo de todas as alegrias transitórias, contudo Deus, a quem prefere acima de tudo, ainda permanece e não pode ser perdido. Enquanto está neste mundo mutável, cheio de problemas, é feliz, pois sua porção escolhida, sobre a qual constrói o fundamento de sua felicidade, está acima do mundo e acima de todas as mutações. E quando vai ao outro ainda é feliz, pois sua porção permanece. Pode ser privado de tudo, exceto de sua principal porção; sua herança permanece segura.

Pudessem os homens de mente carnal encontrar um modo de assegurar para si as alegrias terrenas, em que seus corações estão principalmente firmados, de forma que não pudessem ser perdidas nem diminuídas enquanto vivessem, como considerariam grande privilégio, ainda que outras coisas que estimam em menor grau estivessem sujeitas à mesma incerteza de agora! Por outro lado, esses prazeres terrenos nos quais os homens depositam principalmente seus corações, são, com frequência, transitórios. Mas como é grande a felicidade daqueles que escolheram a Fonte de todo bem, que O preferem a todas as coisas no Céu ou na terra e que jamais podem ser privados dEle por toda a eternidade!

2. Que todos à vista dessas coisas examinem e testem a si mesmos, se são santos ou não. Uma vez que o que foi exposto é o espírito dos santos, e lhes é peculiar, ninguém pode usar a linguagem do texto e dizer: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra”, senão os santos. A escolha de um homem é o que determina seu estado. O que escolhe Deus por sua porção e O prefere a todas as coisas é um homem piedoso, pois esse O escolhe e adora como Deus. Honrá-lO como Deus é respeitá-lO acima de todas as coisas; e se alguém O honra como o seu Deus, seu Deus Ele é; há uma união e relação de pacto entre esse homem e o verdadeiro Deus. Todo homem é à semelhança de seu Deus. Se quiser saber quem é o homem, se é piedoso ou não, questione-o sobre quem é o seu Deus. Se o verdadeiro Deus for aquele a quem tem supremo respeito, a quem considera acima de tudo, sem dúvidas, ele é um servo do Deus verdadeiro. Mas se o homem tem algo a mais pelo qual tem maior respeito do que a Jeová, então este homem não é piedoso.

Questionem-se, portanto, quanto a sua situação; vocês preferem Deus acima de todas as coisas? Às vezes, pode ser difícil a determinação satisfatória disso, pois o ímpio pode ser ludibriado por falsas afeições e o piedoso, baseado em débeis padrões, pode perder [a noção] destas coisas. Portanto, vocês devem fazer uma autoanálise quanto a esta matéria, de diversos modos; se não puderem falar plenamente sobre uma coisa, talvez possam em relação a outras:

1. Qual é o desejo principal que os faz querer ir ao Céu quando morrerem? É verdade que alguns não têm grande desejo de ir para o céu. Não se importam em ir para o inferno, mas se pudessem escapar dele, não teriam muita preocupação com o céu. Se este não for o seu caso, mas vocês acham que têm desejo de ir para o céu, então se questionem quanto ao porquê disso. É precipuamente por querer estar com Deus, ter comunhão com Ele, e ser conformado a Ele para que possam vê-lO, e desfrutá-lO lá? É esta a consideração que guarda seus corações, e desejos e expectativas em relação ao céu?

2. Se vocês pudessem evitar a morte, e tivessem livre escolha, escolheriam viver sempre neste mundo sem Deus, ao invés de, no tempo dele, partir do mundo a fim de estar com Ele? Se pudessem viver aqui em prosperidade terrena por toda a eternidade, mas destituídos da Sua presença e comunhão, não tendo relação espiritual entre Deus e suas almas, sendo vocês e Deus alienados uns dos outros para sempre, escolheriam isso ao invés de partir do mundo, a fim de habitar no Céu como filhos de Deus, aproveitando lá os privilégios gloriosos de filhos, em um amor santo e perfeito a Ele, e no Seu gozo por toda a eternidade?

3. Vocês preferem Cristo a todos os outros como o caminho para o céu? Aquele que escolhe verdadeiramente Deus, O prefere em cada pessoa da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo: o Pai, como seu Pai; o Filho como seu Salvador; o Espírito Santo como seu Santificador. Questionem-se, portanto, não apenas se escolheram o gozo de Deus no Céu como sua mais alta porção e felicidade, mas também se escolheram a Jesus Cristo antes de todas as coisas, como o caminho para o céu; e isso com um senso da excelência de Cristo, e do caminho da salvação por Ele, como sendo algo [que serve] para a glória de Cristo e da soberana graça. É o caminho da livre graça, pelo sangue e justiça do bendito e glorioso Redentor, o caminho mais excelente para a vida em sua estima? Isso acrescenta valor para a herança celestial que é desta forma conferida? Isso é muito melhor para vocês que ser salvo por suas próprias justiças, por quaisquer de suas realizações, ou por qualquer outro mediador?

4. Se pudessem ir para o Céu da maneira que lhes agradasse, vocês prefeririam a todos os outros o caminho do estrito andar com Deus? Os que preferem Deus da maneira como foi representado escolhem-nO não apenas no fim, mas no meio. Preferem estar com Deus a qualquer outro, não apenas quando chegam ao fim de sua jornada, mas também enquanto estão na sua peregrinação. Preferem andar com Deus, embora seja caminho de labor, e cuidado, e auto renúncia ao invés do caminho do pecado, embora este seja caminho de ociosidade e gratificação das luxúrias.

5. Se vocês pudessem passar a eternidade neste mundo, escolheriam antes viver em circunstâncias humildes e rebaixadas, tendo a graciosa presença de Deus, a viver para sempre na prosperidade sem Ele? Prefeririam gastá-la no santo viver, servindo e andando com Deus e no gozo dos privilégios de seus filhos? Deus, com frequência, se manifestando a vocês como Pai, revelando-lhes a Sua glória, manifestando Seu amor e levantando a luz do Seu rosto sobre vocês! Escolheriam antes essas coisas, embora em pobreza, a abundar nas coisas mundanas, vivendo na opulência e prosperidade, e, ao mesmo tempo, sendo um estranho à aliança de Israel? Poderiam se satisfazer em não estar em relação filial com Deus, não gozar de gracioso relacionamento com Ele, não tendo direito algum de serem reconhecidos como filhos? Ou tal vida, mesmo que com enorme prosperidade terrena, seria por vocês estimada como miserável?

Se, apesar de tudo, vocês permanecerem em dúvida, e com dificuldade em determinar se preferem verdadeira e sinceramente Deus a todas as outras coisas, mencionarei duas coisas que são os modos mais certos de determinar-se nesta matéria, e que parecem ser as melhores bases de satisfação nela.

1. O sentimento de algum particular, forte e vívido exercício de tal espírito. Uma pessoa pode ter tal espírito que é referido na doutrina, e ter o exercício dele em um grau inferior, e ainda assim permanecer em dúvida quanto a tê-lo ou não, e ser incapaz de chegar a uma determinação satisfatória. Mas Deus se agrada de, às vezes, dar descobertas de Sua glória, e da excelência de Cristo, a fim de impelir o coração, para que saibam além de toda dúvida, que sentem o mesmo espírito referido por Paulo quando disse que considerava todas as coisas como perda por causa da excelência de Cristo Jesus, seu Senhor, e possam dizer tão ousadamente como ele, e como o salmista, no texto: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra”.

Em tais tempos o povo de Deus não precisa da ajuda de ministros para satisfazê-los quanto a terem o verdadeiro amor de Deus, pois claramente o veem e sentem; e o Espírito de Deus então testemunha com seus espíritos que são filhos de Deus. Portanto, se vocês estiverem satisfeitos a este ponto, e honestamente buscam tais realizações; busquem para que possam ter claros e vívidos exercícios deste espírito. Para este fim, devem se esforçar para crescer em graça. Embora tenham tido tais experiências no passado, e elas os satisfizeram então, contudo, vocês podem novamente entrar em dúvidas. Devem, portanto, buscar para que elas sejam mais frequentes, e o caminho nessa direção é sinceramente seguir adiante, para que tenham mais intimidade com Deus, e tenham os princípios da graça fortalecidos. Este é o caminho para fortalecer os exercícios da graça, vivificá-los, e torná-los mais frequentes, e assim serem satisfeitos em ter um espírito de amor supremo a Deus.

2. O outro caminho é inquirir se vocês preferem Deus a todas as coisas na prática, isto é, quando têm a ocasião de manifestar pela sua prática aquilo que vocês preferem, quando podem se apegar a um ou a outro, e devem esquecer-se de uma ou outra coisa, ou de Deus, se então for seu costume na prática preferirem Deus a todas as outras coisas, sejam elas quais forem, mesmo aquelas terrenas as quais seus corações estão mais ligados. Suas vidas são apegadas a Deus e O servem deste modo?

O que prefere sinceramente Deus à todas as outras coisas em seu coração, o fará na sua prática. Pois quando Deus e todas as outras coisas vierem a competir, esse é o teste apropriado para saber o que um homem prefere; e a maneira de agir em tais casos deve certamente determinar qual deve ser a escolha em todos os agentes livres, ou aqueles que agem em escolha. Portanto, não há sinal de sinceridade mais insistido na Bíblia que este: que enguemos a nós mesmos, vendamos tudo, esqueçamos o mundo, tomemos a cruz, e sigamos Cristo aonde quer que Ele vá. Portanto, corram dessa maneira, não na incerteza; assim lutem, não como quem desfere socos ao ar; mas esmurrem seus corpos e os reduzam à escravidão. E ajam não como se houvessem atingido a perfeição; mas fazendo uma coisa: “Esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. E 2 Pedro 1.5: “Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo”.

FONTE: O Estandarte de Cristo – clique aqui

Jonathan Edwards (1703 – 1758) foi um pastor congregacional, teólogo calvinista e um dos maiores filósofos cristãos da história. Para saber mais sobre sua biografia, clique aqui.

QUEREMOS UMA IGREJA SANTA

QUEREMOS UMA IGREJA SANTA

Rev. Hernandes Dias Lopes

Santidade é uma das marcas da verdadeira igreja. Todo aquele que é salvo por Cristo Jesus é santo, ou seja, separado do mundo para Deus. Agora, pela redenção, tornamo-nos propriedade exclusiva de Deus, não pertencemos a nós mesmos. Ser separado do mundo e diferente dele para consagrarmo-nos a Deus não se constitui para nós um peso, mas aí está nosso maior deleite. Essa santidade não é a imposição de regras e mais regras, preceitos e mais preceitos, tornando a vida cristã um fardo. Ao contrário, a santificação é uma ação eficaz do Espírito Santo em nós, transformando-nos de glória em glória na imagem de Cristo. Aquilo que para nós era lucro tornou-se pura perda por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo. Andar com Deus é nossa maior alegria e nosso supremo prazer.

A Bíblia diz que sem santificação ninguém verá o Senhor. Diz também que a santificação é a vontade de Deus para nós. Deus é santo e seus filhos, que são co-participantes da natureza divina, devem também ser santos. Não há comunhão com Deus e com o pecado ao mesmo tempo. A vida no pecado nos afastará de Deus ou a comunhão com Deus nos afastará do pecado. Fomos salvos do pecado e não no pecado. Aquele que tem prazer no pecado, ainda não conhece a Deus, porque ele é a fonte da vida e na presença dele há plenitude de alegria. Santidade não é um corolário de regras religiosas impostas como fardo sobre as pessoas. A piedade não é algo exterior. Os fariseus arrotavam uma santidade externa, mas estavam cheios de impureza. Jesus os comparou como sepulcros caiados. Eles eram observadores da lei aos olhos dos homens e transgressores dela aos olhos de Deus. Devemos nos acautelar sobre o perigo de uma vida espiritual bonita aos olhos dos homens e adoecida aos olhos de Deus. A verdadeira santidade procede de um relacionamento íntimo com Deus. Não nos santificamos, somos santificados. Jesus é a nossa santificação (1 Co 1.30).

A santificação não apenas marca nossa comunhão com Deus, mas também é uma condição fundamental para a operação de Deus em nós e através de nós. O grande líder Josué disse ao povo de Israel antes de atravessar o Rio Jordão: “Santificai-vos, porque amanhã o Senhor fará maravilhas no meio de vós” (Js 3.5). Deus é santo e busca homens santos para a realização da sua obra. Onde prevalece o pecado, o braço de Deus é encolhido. Israel caiu diante da pequena cidade de Aí, porque havia pecado no meio do arraial. Quando o povo de Deus amarga derrotas, não é por causa da força do inimigo, mas por causa do seu próprio pecado. O pecado é maligníssimo aos olhos de Deus. Nosso trabalho será em vão se o realizamos sem vida santa. Deus não se agrada do trabalho sem vida, da realização sem santidade. A força de uma igreja está não na beleza de seu templo, na quantidade de seus membros, ou mesmo na influência que eles exercem na sociedade, mas na excelência da sua vida de santidade. A igreja de Esmirna era pobre aos olhos dos homens, mas rica diante de Deus. A igreja de Laodicéia, porém mesmo sendo rica e abastada diante dos homens, era miserável aos olhos daquele que tudo sonda.

O jovem presbiteriano escocês, Robert Murray McCheyne, que morreu aos vinte e nove anos de idade, e que experimentou uma qualidade superlativa de vida em Cristo, disse que um crente santo é uma poderosa arma nas mãos de Deus. Você tem sido esse tipo de crente? Você está acomodado a um religiosismo frio e sem vitalidade espiritual? Está satisfeito com gotas enquanto Deus tem para você rios de água viva? Oh que nossa alma se desperte para cantarmos com Sarah Poulton Kalley:

Maravilhas soberanas, outros povos têm

Oh concede as mesmas bênçãos sobre nós também!

Santo Espírito, ouve com favor

Em poder e graça insigne

Mostra o teu favor!

Fonte: Hernandes Dias Lopes

OS SACRAMENTOS EM GERAL

Os Sacramentos em Geral

Por Dr. Louis Berkhof

A. Relação Entre a Palavra e os Sacramentos.

Em distinção da Igreja Católica Romana, as igrejas da Reforma salientam a prioridade da Palavra de Deus. Enquanto aquela parte do pressupostos de que os sacramentos contêm tudo que é necessário para a salvação dos pecadores, não precisam de interpretação e, portanto, tornam a Palavra completamente supérflua como meio de graça, estas consideram a Palavra como absolutamente essencial, e apenas levantam a questão, por que se lhe deve acrescentar os sacramentos. Alguns luteranos alegam que uma graça específica, diferente da que é produzida pela Palavra é transmitida pelos sacramentos. Isso é quase universalmente negado pelos reformados (calvinistas), uns poucos teólogos escoceses e o doutor Kuyper formando exceções à regra. Eles assinalam o fato de que Deus criou o homem de tal maneira, que ele obtém conhecimento particularmente pelas avenidas dos sentidos da visão e da audição. A Palavra está adaptada aos ouvidos e os sacramentos aos olhos. E, desde que os olhos são mais sensíveis que os ouvidos, pode-se dizer que Deus, ao acrescentar os sacramentos à Palavra, vem em auxílio do pecador. A verdade dirigida aos ouvidos através da Palavra está representada simbolicamente nos sacramentos para os olhos. Deve-se ter em mente, porém, que, enquanto a Palavra pode existir e também é completa sem os sacramentos, os sacramentos nunca são completos sem a Palavra. Há pontos de semelhança e de diferença entre a Palavra e os sacramentos.

1. PONTOS DE SEMELHANÇA. Eles concordam: (a) no autor, visto que Deus mesmo instituiu ambos como meio de graça; (b) no conteúdo, pois Cristo é o conteúdo central tanto da Palavra como dos sacramentos; e (c) na maneira pela qual o conteúdo é assimilado, isto é, pela fé. Esta constitui o único modo pelo qual o pecador pode tornar-se participante da graça oferecida na Palavra e nos sacramentos.

2. PONTOS DE DIFERENÇA. Eles diferem: (a) em sua necessidade, sendo que a Palavra é indispensável, ao passo que os sacramentos não; (b) em seu propósito, desde que a Palavra visa a gerar e a fortalecer a fé, enquanto que os sacramentos servem somente para fortalecê-la; e (c) em sua extensão, visto que a Palavra vai pelo mundo inteiro, ao passo que os sacramentos só são ministrados aos que estão na igreja.

B. Origem e Sentido da Palavra “Sacramento”.

A palavra “sacramento” não se encontra na Escritura. É derivada do termo latino sacramentum, que originariamente denotava uma soma de dinheiro depositada por duas partes em litígio. Após a decisão da corte, o dinheiro da parte vencedora era devolvido, enquanto que a da perdedora era confiscada. Ao que parece, isto era chamado sacramentum porque objetivava ser uma espécie de oferenda propiciatória aos deuses. A transição para o uso cristão do termo deve ser procurada: (a) no uso militar do termo, em que denotava o juramento pelo qual um soldado prometia solenemente obediência ao seu comandante, visto que no batismo o cristão promete obediência ao seu Senhor; e (b) no sentido especificamente religioso que o termo adquiriu quando a Vulgata o empregou para traduzir o grego mysterion. É possível que este vocábulo grego fosse aplicado aos sacramentos por terem eles uma tênue semelhança com alguns dos mistérios das religiões gregas. Na Igreja Primitiva a palavra “sacramento” era empregada primeiramente para denotar todas as espécies de doutrinas e ordenanças. Por esta mesma razão, alguns se opuseram ao nome e preferiam falar em “sinais” ou “mistérios”. Mesmo durante e imediatamente após a Reforma, muitos não gostavam do nome “sacramento”. Melanchton empregava “signi” , e tanto Lutero como Calvino achavam necessário chamar a atenção para o fato de que a palavra “sacramento” não é empregada em seu sentido original na teologia. Mas o fato de que a palavra não se encontra na Escritura e de que não é utilizada em seu sentido original quando aplicada às ordenanças instituídas por Jesus, não tem por que dissuadir-nos, pois muitas vezes o uso determina o sentido de uma palavra. Pode-se dar a seguinte definição de sacramento: Sacramento é uma santa ordenança instituída por Cristo, na qual, mediante sinais perceptíveis, a graça de Deus em Cristo e os benefícios da aliança da graça são representados, selados e aplicados aos crentes, e estes, por sua vez, expressam sua fé e sua fidelidade a Deus.

C. Partes Componentes do Sacramento.

Devemos distinguir três partes nos sacramentos.

1. O SINAL EXTERNO OU VISÍVEL. Cada sacramento contém um elemento material, palpável aos sentidos. Num sentido bem livre, este elemento às vezes é chamado sacramento. Contudo, no sentido estrito da palavra, o termo é mais inclusivo e denota o sinal e aquilo que é significado ou simbolizado. Para evitar mal-entendido, deve-se ter em mente este uso diferente. Isto explica por que se pode dizer que um descrente pode receber, e, todavia, não receber o sacramento. Não o recebe no sentido pelo da palavra. O objeto externo do sacramento inclui, não somente os elementos que se usam, a saber, água, pão e vinho, mas também o rito sagrado, aquilo que se faz com estes elementos. Segundo este ponto de vista externo, a Bíblia denomina os sacramentos sinais e selos, Gn 9.12, 13; 17.11; Rm 4.11.

2. A GRAÇA ESPIRITUAL INTERNA, SIGNIFICADA E SELADA. Os sinais e selos pressupõem algo que é significado e selado e que geralmente é chamado matéria interna do sacramento. Esta é variadamente indicada na Escritura como aliança da graça, Gn 9.12, 13; 17.11, justiça da fé, Rm 4.11, perdão dos pecados, Mc 1.4: Mt 26.28, fé e conversão, Mc 1.4; 16.16, comunhão com Cristo em Sua morte e ressurreição, Rm 6.3, e assim por diante. Declarada resumidamente, pode-se dizer que consiste de Cristo e todas as Suas riquezas espirituais. Os católicos romanos a vêem na graça santificante acrescentada à natureza humana, capacitando o homem a praticar boas obras e a subir às alturas da visio Dei (visão de Deus). Os sacramentos não significam meramente uma verdade geral, mas uma promessa dada a nós e por nós aceita, e servem para fortalecer a nossa fé com respeito à realização dessa promessa, Gn 17.1-14; Ex 12.13; Rm 4.11-13. eles representam visivelmente e aprofundam a nossa consciência das bênçãos espirituais da aliança, da purificação dos nossos pecados e da nossa participação na vida que há em Cristo, Mt 13.11; Mc 1.4, 5; 1 Co 10.2, 3, 16, 17; Rm 2.28, 29; 6.3, 4; Gl 3.27. como sinais e selos, eles são meios de graça, isto é, meios pelos quais se fortalece a graça interna produzida no coração pelo Espírito Santo.

3. UNIÃO SACRAMENTAL ENTRE O SINAL E QUILO QUE É SIGNIFICADO. Geralmente se lhe chama forma sacramenti, forma dos sacramentos ( forma significando aqui essência), porque é exatamente a relação entre o sinal e a coisa significada que constitui a essência do sacramento. Segundo o conceito reformado (calvinista), esta (a) não é física , como pretendem os católicos romanos, como se a coisa significada fosse inerente ao sinal e o recebimento da matéria externa incluísse necessariamente a participação na matéria interna ; (b) nem local, como a descrevem os luteranos, como se o sinal e a coisa significada estivessem presentes no mesmo espaço, de sorte que tanto os crentes como os incrédulos recebessem o sacramento completo ao receberem o sinal; (c) mas espiritual , ou como o expressa Turretino, moral e relativa , de modo que, quando o sacramento é recebido com fé, a graça de Deus o acompanha. Conforme este conceito, o sinal externo torna-se um meio empregado pelo Espírito Santo na comunicação da graça divina. A estreita relação existente entre o sinal e a coisa significada explica o emprego daquilo que geralmente se chama “linguagem sacramental”, na qual o sinal é mencionado em lugar da coisa significada, ou vice-versa , Gn 17.10; At 22.16; 1 Co 5.7.

D. Necessidade dos Sacramentos.

Os católicos romanos afirmam que o batismo é absolutamente necessário para todos, para a salvação, e que o sacramento da penitência é igualmente necessário para aqueles que cometeram pecado mortal depois do batismo; mas que a confirmação, a eucaristia e a extrema unção são necessárias somente no sentido de que foram ordenadas e são eminentemente úteis. Por outro lado, os protestantes ensinam que os sacramentos não são absolutamente necessários para a salvação, mas são obrigatórios em vista do preceito divino. A negligência voluntária do seu uso redunda no empobrecimento espiritual e tem tendência destrutiva, precisamente como acontece com toda desobediência persistente a Deus. Que não são absolutamente necessários para a salvação, segue-se: (1) do caráter espiritual e livre da dispensação do Evangelho, na qual Deus não prende a Sua graça ao uso de certas formas externas, Jo 4.21, 23; Lc 18.14; (2) do fato de que a Escritura menciona unicamente a fé como condição instrumental da salvação, Jo 5.24; 6.29; 3.36; At 16.31; (3) do fato de que os sacramentos não originam a fé, mas a pressupõem, e são ministrados onde se supõe a existência da fé, At 2.41; 16.14, 15, 30, 33; 1 Co 11.23-32; e (4) do fato de que muitos foram realmente salvos sem o uso dos sacramentos. Pensemos nos crentes anteriores ao tempo de Abraão e no ladrão penitente na cruz.

E. Os Sacramentos do Velho e do Novo Testamentos Comparados.

1. SUA UNIDADE ESSENCIAL. Roma alega que há diferença essencial entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Ela afirma que, à semelhança de todo o ritual da antiga aliança, seus sacramentos também eram meramente típicos. A santificação produzida por eles não era interna, mas apenas legal, e prefigurava a graça que haveria de ser conferida ao homem no futuro, em virtude da paixão de Cristo. Isso não significa que nenhuma graça interna acompanhava o uso deles, mas simplesmente que isso não era efetuado pelo sacramento propriamente ditos, como acontece na nova dispensação. Eles não tinham eficácia objetiva, não santificavam o participante ex opere operato, mas unicamente ex opere operantis, isto é, por causa da fé e caridade com que eram recebidos. Uma vez que a plena concretização da graça tipificada por aqueles sacramentos dependia da vinda de Cristo, os santos do Velho Testamento foram encerrados no Limbus Patrum (Limbo dos Pais) até Cristo os tirar de lá. A verdade, porém, é que não há diferença entre os sacramentos do Velho Testamento e os do Novo. Provam-no as seguintes considerações; (a) em 1 Co 10.1-4 Paulo atribui à igreja do Velho Testamento aquilo que é essencial nos sacramentos do Novo testamento; (b) em Rm 4.11 ele fala da circuncisão de Abraão como selo da justiça da fé; e (c) em vista do fato de que eles representam as mesmas realidades espirituais, os nomes dos sacramentos de ambas as dispensações são utilizados uns pelos outros: a circuncisão e a páscoa são atribuídas à igreja do Novo Testamento, 1 Co 5.7; Cl 2.11, e o batismo e a Ceia do Senhor à igreja do Velho Testamento, 1 Co 10.1-4.

2. SUAS DIFERENÇAS FORMAIS. Não obstante a unidade essencial dos sacramentos das duas dispensações, há certos pontos de diferença. (a) Em Israel os sacramentos tinham um aspecto nacional em acréscimo à sua significação espiritual como sinais e selos da aliança grega. (b) Ao lado dos sacramentos, Israel tinha muitos outros ritos simbólicos, tais como as ofertas e as purificações, que no essencial concordavam com os seus sacramentos, ao passo que os sacramentos do Novo Testamento estão absolutamente sós. (c) Os sacramentos do Velho Testamento apontavam para Cristo no futuro, e eram os selos da graça que ainda teriam que ser merecidas, ao passo que os do Novo testamento apontam para Cristo no passado e o Seu sacrifício de redenção já consumado. (d) Em harmonia com o conteúdo total da dispensação do Velho Testamento, a porção da graça divina que acompanhava o uso dos sacramentos do Velho Testamento era menor do que a que atualmente se obtém mediante o confiante recebimento dos sacramentos do Novo Testamento.

F. Número dos Sacramentos.

1. NO VELHO TESTAMENTO. Durante a antiga dispensação havia dois sacramentos, quais sejam, a circuncisão e a páscoa. Alguns teólogos reformados (calvinistas) eram de opinião que a circuncisão originou-se em Israel e foi auferido deste povo da aliança por outras nações. Mas agora é patentemente claro que esta posição é insustentável. Desde os tempos mais primitivos, os sacerdotes egípcios eram circuncidados. Além disso, a prática da circuncisão se acha em muitos povos da Ásia, da África e até da Austrália, e é muito improvável que todos a tenham derivado de Israel. Todavia, somente em Israel ela se tornou um sacramento da aliança da graça. Como pertencente à dispensação do Velho Testamento, era um sacrifício cruento, simbolizando a excisão da culpa e da corrupção do pecado, e constrangendo as pessoas a deixarem que o princípio da graça de Deus penetrasse suas vidas completamente. A páscoa também era um sacrifício cruento. Os israelitas escaparam do destino dos egípcios com sua substituição por um sacrifício, que foi um tipo de Cristo, Jo 1.29, 36; 1 Co 5.7. A família salva comeu o cordeiro que fora imolado, simbolizando assim um ato assimilativo de fé, muito parecido com o ato de comer o pão na Ceia do Senhor.

2. NO NOVO TESTAMENTO. A igreja do Novo Testamento também tem dois sacramentos a saber, o batismo e a Ceia do Senhor. Em harmonia com a nova dispensação em seu conjunto global, eles são sacramentos incruentos. Contudo, simbolizam as mesmas bênçãos espirituais que eram simbolizadas pela circuncisão e pela páscoa na antiga dispensação. A igreja de Roma aumentou para sete o número dos sacramentos de maneira totalmente infundada. Aos dois que foram instituídos por Cristo ela acrescentou a confirmação, a penitência, a ordenação, o matrimônio e a extrema unção. Ela procura base bíblica para a confirmação em At 8.17; 14.22; 19.6; Hb 6.2; para a penitência em Tg 5.16; para a ordenação em 1 Tm 4.14; 2 Tm 1.6; para o matrimônio em Ef 5.32; e para a extrema unção em Mc 6.13; Tg 5.14. Pressupõe-se que cada um destes sacramentos comunica, em acréscimo à graça geral da santificação, uma graça sacramental especial, diferente em cada sacramento. Esta multiplicação dos sacramentos criou uma dificuldade para a igreja de Roma. Geralmente se admite que, para serem válidos, precisam ter sido instituídos por Cristo; mas Cristo instituiu apenas dois. Consequentemente, ou os outros não são sacramentos, ou o direito de instituí-los terá que ser atribuído aos apóstolos também. Na verdade, antes do Concílio de Trento, muitos asseveravam que os cinco adicionais não foram instituídos diretamente por Cristo, mas por meio dos apóstolos. Todavia, aquele concílio declarou ousadamente que todos os sete sacramentos foram instituídos pessoalmente por Cristo, e, desse modo, impôs à teologia da sua igreja uma tarefa impossível. É um ponto que tem que ser aceito pelos católicos romanos com base no testemunho da igreja, mas que não de vê ser comprovado.

Fonte: Site Monergismo.com clique aqui; como primária Teologia Sistemática escrita pelo autor, publicado pela Ed. Cultura Cristã.

O QUE É PROVIDÊNCIA?

O que é Providência?

R. C. Sproul

Um dia, enquanto eu assistia a um programa de notícias, apareceu um anúncio sobre uma série de livros a respeito de problemas da vida no passado. Uma das imagens do comercial mostrava um soldado confederado, da Guerra Civil, deitado numa maca, recebendo cuidados de uma enfermeira e de um médico da linha de batalha. Em seguida, o narrador me informou que a leitura daquele livro me ajudaria a entender o que significava ficar doente, em meados do século XIX. Aquilo atraiu minha atenção, porque muitas pessoas do século XXI são tão fortemente presas ao seu tempo, que raramente pensam em como as pessoas levavam a vida em épocas e gerações anteriores.

Esta é uma das áreas em que me vejo fora de harmonia com os meus contemporâneos. Penso, com muita frequência, na vida das gerações anteriores, porque tenho o hábito de ler obras escritas por pessoas que, em muitos casos, viveram muito antes do século XXI. Gosto de ler, especialmente, autores dos séculos XVI, XVII e XVIII.

Nos escritos desses autores, constantemente, observo um senso agudo da presença de Deus. Esses homens tinham um senso de uma providência que envolvia tudo. Vemos uma indicação deste senso de que toda a vida está sob a direção e o governo do Deus todo-poderoso, no fato de que uma das primeiras cidades, no que é agora os Estados Unidos da América, foi Providence, em Rhode Island, fundada em 1636. De modo semelhante, a correspondência pessoal de homens de séculos anteriores, como Benjamim Franklin e John Adams, é entremeada com a palavra providência. As pessoas falavam sobre uma “Providência benevolente” ou uma “Providência irada”, mas havia, frequentemente, um senso de que Deus estava envolvido de maneira direta na vida diária das pessoas.

A situação é muito diferente em nossos dias. Meu falecido amigo James Montgomery Boice costumava contar uma história engraçada, que ilustrava apropriadamente a mentalidade contemporânea com respeito a Deus e ao seu envolvimento no mundo. Houve um alpinista que escorregou numa saliência e estava prestes a mergulhar centenas de metros para a sua morte, mas, enquanto caía, ele se agarrou num galho de uma árvore minúscula e desajeitada que crescia numa fresta, na face do despenhadeiro. Quando ele se agarrou no galho, as raízes da árvore começaram a afrouxar, e o alpinista contemplava a morte certa. Naquele momento, ele clamou aos céus: “Há alguém aí em cima, que possa me ajudar?” Em resposta ele ouviu uma voz forte, do céu, que dizia: “Sim, eu estou aqui e posso ajudá-lo. Solte o galho e confie em mim”. O homem olhou para o céu e, em seguida, olhou para baixo, para o abismo. Por fim, ele levantou a voz novamente e disse: “Há alguém mais por aí que possa me ajudar?”

Gosto dessa história, porque ela tipifica a mentalidade cultural de nossos dias. Primeiramente, o alpinista pergunta: “Há alguém aí em cima?” A maioria das pessoas do século XVIII admitiam que havia Alguém lá. Em sua mente, havia pouca dúvida de que um Criador todo-poderoso governava os afazeres do universo. Entretanto, vivemos numa época de incredulidade sem precedente, quanto à própria existência de Deus. Sim, pesquisas de opinião pública nos dizem, regularmente, que entre 98% e 99% das pessoas nos Estados Unidos creem em algum tipo de deus ou poder superior. Suponho que isso pode ser explicado, em parte, pelo impacto da tradição; ideias que têm sido preciosas para as pessoas, durante várias gerações, são difíceis de serem renunciadas, e, em nossa cultura, certo estigma social ainda está vinculado ao ateísmo irrestrito. Além disso, acho que não podemos escapar da lógica de supor que tem de haver algum tipo de causa fundamental e última para este mundo, à medida que o experimentamos. Todavia, quando confrontamos as pessoas e falamos com elas sobre a sua ideia de um “poder superior” ou de um “ser supremo”, fica evidente que se referem a um conceito neutro – um tipo de energia ou uma força indefinida – e não a Deus. Essa foi a razão por que o alpinista perguntou: “Há alguém aí em cima?” Naquele momento de crise, ele reconheceu sua necessidade de um ser pessoal, que estava no controle do universo.

Há outro aspecto dessa anedota que considero importante. Quando o alpinista estava prestes a cair na morte, ele não disse apenas: “Há alguém aí em cima?” Ele especificou: “Há alguém aí em cima, que possa me ajudar?” Esta é a pergunta do homem moderno. Ele quer saber se há alguém, fora da esfera da vida diária, que é capaz de lhe prestar assistência. Mas eu acho que o alpinista estava fazendo uma pergunta muito mais fundamental. Ele queria saber, não somente se havia alguém que poderia ajudá-lo, mas também se havia alguém que estava disposto a ajudá-lo. Esta é a pergunta que está em primeiro lugar, na mente dos homens e das mulheres contemporâneos. Em outras palavras, eles querem saber não somente se há providência, mas também se ela é fria, insensível ou compassiva.

Portanto, a questão referente à providência que pretendo considerar nestes artigos é, não meramente, se há alguém lá, mas se esse alguém é capaz e disposto a fazer alguma coisa no mundo em que vivemos.

Um universo mecânico e fechado

Entre as ideias que têm moldado a cultura ocidental, uma das mais significativas é a ideia de um universo mecânico e fechado. Esta opinião sobre o mundo tem persistido por centenas de anos, e exercido influência tremenda em moldar a maneira como as pessoas entendem a forma como a vida é vivida. Eu diria que, no mundo secular, a ideia predominante é a de que vivemos num universo que é fechado para qualquer tipo de intrusão de fora, um universo que funciona puramente por forças e causas mecânicas. Em palavras simples, a questão crucial para o homem moderno é a causalidade.

Parece haver um clamor crescente sobre a influência negativa da religião na cultura americana. Afirma-se que a religião é a força que mantém as pessoas presas na era das trevas de superstição, mantém a sua mente fechada para qualquer entendimento das realidades do mundo que a ciência tem descoberto. Cada vez mais, a religião parece ser considerada o polo oposto da ciência e da razão. É como se a ciência fosse algo para a mente, a pesquisa e a inteligência, enquanto a religião fosse algo para as emoções e os sentimentos.

Apesar disso, ainda há uma tolerância para a religião. A ideia frequentemente expressa, nos meios de comunicação noticiosos, é que todos têm um direito de crer no que escolhe crer; o mais importante é crer em algo. Não importa se você é judeu, mulçumano, budista ou cristão.

Quando ouço comentários como esse, quero exclamar: a verdade é realmente importante? Em minha humilde opinião, a coisa principal é crer na verdade. Não estou satisfeito em crer, simplesmente por crer. Se aquilo em que creio não é verdadeiro – se é supersticioso ou falácia – quero ser libertado disso. Mas a mentalidade de nossos dias parece ser a de que, nas questões de religião, a verdade é insignificante. Aprendemos a verdade da ciência e obtemos bons sentimentos da religião.

Às vezes, expõe-se a ideia altamente simplista de que a superstição religiosa reinou supremamente no passado, e, por isso, Deus era visto como a causa de tudo. Se alguém ficava doente, a doença era atribuída a Deus. Agora, é claro, somos informados de que a doença resulta de micro-organismos que invadem nosso corpo, e aqueles organismos minúsculos operam de acordo com sua natureza, fazendo aquilo para o que eles evoluíram e podem fazer. De modo semelhante, enquanto, nos dias anteriores, as pessoas acreditavam que um terremoto ou um temporal era causado pelas mãos de Deus, hoje somos assegurados de que há razões naturais para esses eventos. Eles acontecem por causa de forças que são parte da ordem natural das coisas.

No século XVIII, Adam Smith escreveu um livro que se tornou o clássico da teoria econômica do Ocidente – A Riqueza das Nações. Neste livro, Smith tentou aplicar o método científico ao campo da economia, num esforço para descobrir o que causa certas reações e contrarreações econômicas no mercado. Smith queria ir além da questão da especulação e identificar as causas básicas que produziam efeitos previsíveis. Mas, embora estivesse aplicando a inquirição científica à rede de ações e reações econômicas, ele falou da “mão invisível”. Em outras palavras, Smith estava dizendo: “Sim, há causas e efeitos se movendo neste mundo, mas temos de reconhecer, acima de tudo, que tem de haver um poder causal último ou, do contrário, não haveria poderes causais inferiores. Portanto, todo o universo é orquestrado pela mão invisível de Deus”. Em nossos dias, porém, temos nos focalizado tão intencionalmente na atividade imediata de causa e efeito, que, na maior parte, temos ignorado ou negado o poder causal que abrange tudo e está por trás de toda a vida. O homem moderno não tem, basicamente, nenhum conceito de providência.

O Deus que vê

A doutrina da providência é uma das mais fascinantes, importantes e difíceis na fé cristã. Ela lida com questões difíceis, como: “Como o poder causal e a autoridade de Deus interagem conosco? Como o governo soberano de Deus se relaciona com as nossas escolhas espontâneas? Como o governo de Deus está relacionado com o mal e o sofrimento neste mundo? E como a oração tem alguma influência sobre as decisões providenciais de Deus?” Em outras palavras, como devemos levar nossa vida à luz da mão invisível de Deus?

Comecemos com uma definição simples. A palavra providência tem um prefixo, pro, que significa “antes” ou “em frente de”. A raiz vem do verbo latino videre, que significa “ver”; é desta palavra que temos a nossa palavra vídeo. Portanto, a palavra providência significa, literalmente, “ver de antemão”. A providência de Deus se refere ao seu “ver algo de antemão”, com respeito ao tempo.

A providência não é a mesma coisa que a presciência ou o conhecimento antecipado de Deus. A presciência é a habilidade de Deus de olhar para os corredores do tempo e saber o resultado de uma atividade antes que ela aconteça. No entanto, é apropriado usarmos a palavra providência com referência ao governo ativo de Deus quanto ao universo, porque ele é, de fato, um Deus que vê. Ele vê tudo que acontece no universo. Tudo está na visão plena de seus olhos.

Este pode ser um dos pensamentos mais terríveis que um ser humano pode ter – o de que há alguém que é, como Jean-Paul Sartre lamentou, um espreitador cósmico supremo, que olha através do buraco de fechadura do universo e observa cada ação de cada ser humano. Se há algo a respeito do caráter de Deus que repele dele as pessoas mais do que a sua santidade, esse algo é a sua onisciência. Cada um de nós tem um desejo intenso por um senso de privacidade que ninguém possa invadir, para intrometer-se nas coisas secretas de nossa vida.

No tempo da primeira transgressão, quando o pecado entrou no mundo, Adão e Eva experimentaram, imediatamente, um senso de nudez e vergonha (Gn 3.7). Eles reagiram por tentarem esconder-se de Deus (v. 8). Experimentaram o olhar do Deus da providência. Como o alpinista em minha anedota anterior, queremos que Deus olhe para nós quando precisamos de ajuda. Entretanto, na maior parte do tempo, queremos que ele nos ignore, porque queremos privacidade.

Numa ocasião memorável durante o ministério de nosso Senhor, os escribas e fariseus trouxeram à presença de Jesus uma mulher que eles apanharam em adultério. E lembraram a Jesus que a lei de Deus exigia que ela fosse apedrejada, mas, na verdade, queriam saber o que ele faria. Mas, quando falaram, Jesus se inclinou e escreveu algo no chão. Essa é a única vez que a Bíblia registra que Jesus escreveu, e não sabemos o que ele escreveu. Mas o relato nos informa que Jesus se levantou e disse: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra” (Jo 8.7). Depois, ele começou a escrever novamente no chão. Com isso, os escribas e fariseus começaram a ir embora, um por um.

Estou especulando aqui, mas pergunto se Jesus escreveu alguns dos pecados secretos que aqueles homens se mostravam zelosos em manter ocultos. Talvez Jesus escreveu “adultério”, e um dos homens, que era infiel à sua esposa, o leu e foi embora de mansinho. Talvez ele escreveu “evasão de imposto”, e um dos fariseus, que falhava em pagar impostos a César, decidiu tomar o rumo de casa. Em sua natureza divina, Jesus tinha a capacidade de ver, de maneira penetrante, por trás das máscaras que as pessoas usavam, ver as coisas secretas em que eles eram mais vulneráveis. Isso faz parte do conceito de providência divina. Significa que Deus sabe todas as coisas a nosso respeito.

Como já comentei, frequentemente achamos esta visão divina inquietante, mas o conceito da visão de Deus, de Deus nos ver, deveria ser reconfortante para nós. Jesus disse: “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” (Mt 10.29). Este ensino inspirou a canção popular “Deus Cuida dos Pardais”. Você lembra a letra: “Deus cuida dos pardais, e sei que ele cuida de mim”. Creio que o autor desta canção entendeu o que Jesus estava dizendo – que Deus sabe cada vez que um pequeno pássaro cai no chão. Deus não ignora nem mesmo os menores detalhes no universo. Pelo contrário, ele governa o universo com total conhecimento de tudo o que está acontecendo nele.

Sim, este tipo de conhecimento íntimo pode ser amedrontador. Mas, porque sabemos que Deus é benevolente e cuidadoso, seu conhecimento abrangente é um consolo. Deus sabe o que precisamos, antes que lhe peçamos. E, quando as nossas necessidades surgem, ele tanto pode como está disposto a ajudar-nos. Para mim, não há nada mais reconfortante do que saber que há um Deus de providência, que está ciente não apenas de cada uma de minhas transgressões, mas também de cada uma de minhas dores e de cada um de meus temores.

Fonte: Ministério FIEL – clique aqui

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS

A PERSEVERANÇA DOS SANTOS

Joel R. Beeke

No contexto do Antigo Testamento, nenhuma promessa de Deus é mais surpreendente do que aquela registrada em Jeremias 32.40: “… não deixarei de lhes fazer o bem… nunca se apartem de mim”. Como resumido nos Salmos 78 e 106, a história de Israel revela que eles se afastaram do Deus vivo, desviando-se para os ídolos e caindo em grave pecado, e então Ele se afastou deles em Sua ira, até que eles se arrependessem e clamassem a Ele, em sua miséria.

Jeremias deve ter se alegrado em ouvir acerca de um dia em que este ciclo sem fim de infidelidade humana e castigo divino iria dar lugar a um relacionamento diferente entre Deus e o Seu povo, na forma de uma nova e eterna aliança. A lei, esculpida em tábuas de pedra, seria escrita na próprio coração de cada uma das pessoas do seu povo, e todos iriam conhecer o Senhor e ser perdoados, restaurados, e renovados por Sua graça. Deus iria, então, continuar a perseverar com o Seu povo, e o Seu povo com Ele.

Esta promessa incorpora a doutrina da perseverança dos santos. Mas quem são os santos? Por que eles continuam, ou perseveram, como santos? Em que coisas eles perseveram?

É muito importante definir o que significa “santos”. Na igreja pré-Reforma (e na Igreja Católica Romana, nos dias de hoje), um santo foi definido como “alguém cuja santidade de vida e virtude heroica foi confirmado e reconhecido pelo processo oficial de beatificação e canonização da igreja” (Dicionário Católico). Embora falecidos, eles são lembrados, venerados, e invocados em cultos públicos e em devocionais privados, como se pudessem ouvir e responder a orações.

Nesta visão, os santos foram excepcionais, em meio a membresia da igreja. Eles foram melhores do que precisavam ser, e fizeram mais do que o dever requeria, portanto eles adquiriram um estoque de mérito, de tal forma que poderiam usar este mérito excedente para ajudar os Cristãos menos santos ou menos virtuosos. Portanto, a estes santos são concedidos dias festivos e santuários, que preenchem um lugar substancial na devoção por parte daqueles que os invocam.

Nada pode ser mais contrário à ideia de santidade. De forma bem simples, todos os cristãos são santos. Eles foram santificados, ou separados à parte por Deus, como o Seu povo. A santidade Bíblica não depende do que nós fazemos, mas depende do que Deus faz em nós, através da Sua Palavra e do Seu Santo Espírito.

Deus Pai fez uma aliança eterna de graça conosco, e nos adotou como Seus filhos e herdeiros. Deus Filho nos purificou em Seu sangue, de todos os nossos pecados, e nos incorporou em Sua morte e ressurreição. Deus, Espírito Santo, habita em nós, nos santifica para sermos membros de Cristo, e aplica a nós o que temos em Cristo, a saber, o lavar dos nossos pecados e a renovação diária das nossas vidas. Tal é a porção para todos aqueles que pertencem a Cristo, e se juntam a Ele por meio de uma fé verdadeira.

Como tais, todos os crentes são “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação” (1 Pedro 1:5). Deus persevera conosco, e, portanto, nós perseveramos com Ele. A soberania de Deus significa que o que Ele faz, continua feito. Nós estamos salvos em Suas mãos, debaixo da Sua proteção, invocando-o, e repousando em Seu amor.

Em que nós perseveramos? Nós perseveramos em fé, crendo em Deus, confiando em Sua Palavra, e aguardando em Suas promessas; no arrependimento dos pecados; na negação de si mesmos e seguindo a Cristo, lutando por santidade de vida; e buscando conhecer a vontade de Deus e fazer aquilo que O agrada. Tais são os frutos que acompanham a fé justificadora. É um sinal perturbador quando estes frutos estão faltando em um Cristão professo. Cristo adverte sobre a fé temporária (Mateus 13:18-22); Paulo denuncia aqueles que “tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder” (2 Timóteo 3:5); e Tiago declara que “a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tiago 2:17). Portanto, Paulo nos exorta: “examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos” (2 Coríntios 13:5).

Fonte: Site Os Puritanos.com – clique aqui

CORRESPONDENDO À SANTIDADE DE CRISTO

Correspondendo à santidade de Cristo

John MacArthur Jr.

Como devemos reagir a vívida exposição da santidade de Cristo? A primeira reação de João foi temor. Apocalipse 1.17 diz: “Quando o vi, caí a seus pés como morto”. Meu amigo R.C. Sproul se tornou bastante conhecido por compreender e verbalizar “o trauma da santidade de Deus”, e é isso que João experimenta aqui. Por que João caiu como um homem que acabara de morrer? Pelo mesmo motivo que Pedro clamou em Lucas 5.8: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador”! João ficou aterrorizado ao perceber que estava na presença do Deus Santo. Se ele conseguia enxergar o santo Cristo, então o santo Cristo conseguia enxergá-lo em toda sua vileza. João viu a glória; Cristo viu o pecado. E ele ficou aterrorizado – como Manoá, Jó, Ezequiel, Isaías, Daniel, Pedro e Paulo. Ele ficou apavorado, vivendo uma espécie de trauma temporário, mas a experiência logo passou do medo para a segurança.

Apocalipse 1.17 continua: “Porém, ele pôs sobre mim a mão direita”. Seria esse era um toque com o qual João tinha familiaridade? Afinal, precisamos lembrar que João, em especial, gostava de ser próximo de Jesus. Em lugar de se identificar por seu nome, em seu evangelho, ele se descreveu como “o qual na ceia se reclinara sobre o peito de Jesus” (João 21.20). Ele frequentemente fez referência a si mesmo como“ o discípulo a quem Jesus amava”. Ele gostava muito de estar próximo de Jesus, por isso me pergunto se ele já não conhecia aquele toque reconfortante do Senhor. “Ele pôs sobre mim a mão direita, dizendo: “Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno” (Apocalipse 1.17-18).

João não precisava se preocupar. Jesus é eterno. Ele existe fora da dimensão de tempo, da história e da criação. Ele está acima e além de nós em todos os sentidos imagináveis. Mas ele se humilhou, assumiu a forma humana, morreu e ressuscitou por nós. As chaves da morte e do inferno não estão num chaveiro pendurado no cinto de Satanás – ele não tem poder duradouro sobre nós. Somente Jesus possui essas chaves, e os que o abraçaram como Senhor e Salvador nada têm a temer.

Em Apocalipse 1.19, Cristo ordena que João escreva as coisas que ele viu, registrando a visão que teve, preservando-a para o benefício de crentes através de toda a história da igreja. É traumatizante contemplar a glória e a santidade de Cristo – traumatizante, mas crucial. Jamais lidaremos honestamente com nossos pecados até termos tido uma visão da santidade de Deus e de Cristo. E deste lado da obra redentora de Cristo, vivemos na segurança jubilosa de que aquele que é tão amedrontador é o mesmo que pagou completamente o preço de nossos pecados, e cuja santa justiça foi satisfeita. E o mais incrível é que ele continua nos usando para trazer a luz de seu evangelho a um mundo cego pelo pecado.

Apocalipse 1 nos fornece um rico vislumbre do Senhor da igreja, nosso santo Cristo, e de seu ministério à sua igreja amada e redimida. Somos a sua igreja, e ele se relaciona conosco. É por nós que ele certamente intercede incessantemente. É a nós que ele purifica. É conosco que ele fala através de sua Palavra com toda autoridade. É a nós que ele protege. Somos nós que nos tornamos reflexo da glória dele. Isto é um mistério, que almas tão indignas venham a ser chamadas para ter tão grande privilégio. Que sempre estejamos maravilhados por esse chamado para representar o santo Cristo, de quem não somos dignos, mas em quem eternamente nos regozijaremos.

Fonte: VoltemosAoEvangelho.com – clique aqui

Sobre o autor: O pastor John MacArthur é um dos líderes evangélicos mais preeminentes de nossos dias. Seus livros, pregações e ministério têm atingido milhões de pessoas em todo o mundo. MacArthur é presidente do ministério Grace to You e exerce seu ministério pastoral na Grace Community Church, na Califórnia.

ESPERANÇA NO MEIO DO LAMAÇAL

ESPERANÇA NO MEIO DO LAMAÇAL

Daniel Gardner

Em O Peregrino, o personagem Cristão, na caminhada para a cidade celeste, por um momento passa pelo pântano do desânimo. Ali ele cai no lamaçal e toda culpa do seu pecado se torna um peso que o puxa para baixo. Ele tira os olhos da cidade celeste e, olhando para si mesmo, sente dúvidas sobre sua fé. É quando ele conhece Auxílio, e essa pessoa o ajuda a sair daquele lamaçal. A intenção é que o texto de João 14.1-3 seja esse auxílio para nós.

Por vezes também nos encontramos no pântano do desânimo. Sentimos que Deus está distante de nós e chegamos a duvidar da nossa fé e do cristianismo como um todo. Será que essas verdades que temos ouvido são tão verdadeiras assim? Da mesma forma, não é fácil compartilhar o momento de dúvida e desânimo com outras pessoas. Não estamos acostumados com isso. O resultado é a supressão das dúvidas.

Nesse momento do relato bíblico, Cristo ainda não foi crucificado, mas Jesus já está preparando seus discípulos para quando isso acontecer. Jesus sabe que a fé deles será abalada e, por isso, Ele diz para que o coração deles não se turbe, isto é, não se angustie; diz também para crerem em Deus e também nele. Baseado nisso, podemos destacar dois recursos nessa história para ter e desenvolver esperança em meio ao lamaçal.

O primeiro recurso é a pessoa de Cristo (14.1). A solução é “credes em Deus, crede também em mim” (em Cristo). Esta é uma afirmação a respeito da divindade de Jesus Cristo. Ele está dizendo “eu sou Deus”. Ele diz para que eles tenham a mesma adoração e o mesmo temor que possuem por Deus. Alguns capítulos depois, quando Cristo é crucificado, a fé deles é abalada e a primeira tentação ao verem-no na cruz é pensar que Ele foi apenas um bom professor e ali tudo acabou. Jesus prepara o coração deles para passar por esse lamaçal de desânimo.

Muitas coisas criam dúvidas em nosso coração, como a perda de alguém, o fato de cairmos em pecados recorrentes. Mas a resposta contra a dúvida é sempre a mesma. Jesus é a imagem do Deus invisível (Cl 1.15-17). Às vezes nossa fé é bastante fraca porque cremos em Cristo como um líder, como professor, como a melhor pessoa que já existiu, mas esquecemos que em Cristo tudo foi criado tudo que existe. Antes de Gênesis, Ele já estava com Deus, Ele é Deus. Quando estamos no lamaçal, a resposta não está em nós. A resposta para nossas angústias é a divindade de Cristo. Quando surge uma dúvida, é comum olharmos para nós, mas não podemos começar com nós mesmos.

O segundo recurso é as promessas de Cristo (14.2-3). Cristo afirma que na casa do Pai há muitas moradas, como vários quartos em uma única casa. Esta é uma promessa de Cristo. Ele não menciona a crucificação em si, mas passa para seus discípulos uma visão da eternidade, promessas eternas. Se não houvesse essa garantia, Jesus não haveria falado. Mas há um lugar sendo preparado para os que creem. Há um contraste grande aqui. Jesus disse que era Deus e agora ele diz “eu vou preparar lugar”. Preparar sugere um tempo, uma demora. Não será algo instantâneo. Não podemos esquecer esse elemento. A vida cristã demanda tempo. Nós queremos transformação, santificação e glorificação para ontem, mas o Espírito Santo está trabalhando de acordo com um plano diferente do nosso.

É comum se perguntar “se Deus deseja que eu seja santo, por que não ordenar isso instantaneamente?” Ora, pois a glorificação não é instantânea. Deus se agrada em preparar e regenerar lugares e pessoas aos poucos, em gastar tempo matando um ídolo após o outro. Essa mudança nada mais é do que esperar o tempo de Deus.

No verso 3, Cristo continua: Ele voltará! Podemos confiar nesta promessa pois Ele já veio uma vez e derrotou o pecado e a morte. Portanto, Ele fará novamente. Jesus emprega uma bela linguagem de comunhão: “vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também.” Já temos a promessa de que Cristo está conosco, mas agora Ele também diz que, onde Ele está agora, nós estaremos também. Este é um desejo de comunhão. Esta é a esperança em meio ao lamaçal. Deus possui um plano e Ele inclui estar conosco. É por isso que a comunhão tem tudo a ver com Jesus Cristo. Se você quer ser encorajado na vida cristã, esteja no corpo de Cristo. Uma pessoa isolada não poderá manter a esperança. A fé do cristão envolve comunhão pois o plano de Cristo envolve comunhão.

Como aplicação para os que estão a ponto de não se reconhecerem como cristãos, para aqueles que talvez até imitem bem um cristão, mas não creem em Cristo como Deus. Se você é essa pessoa, saiba quem é Jesus Cristo. Ele é Deus, criador de todas as coisas e, após a morte, será o Justo Juiz que julgará a todos os homens. Só se alegrará na casa do Pai aqueles que confessam seus pecados e creem em Jesus para vida eterna. Ore agora mesmo e peça perdão.

Em segundo, para aqueles que são cristãos mas estão com algumas dúvidas. Responda a essa pergunta: “quem é Cristo para você?” Jesus Cristo é aquele que ressuscitou e, por isso, podemos ter certeza de que Ele é Deus. Precisamos enxergar Cristo como aquele que age em amor, e a expressão disso é seu desejo de querer estar junto dos seus. Como entender que Deus te ama? Olhe para Cristo. Ele é a expressão maior do amor de Deus. Saiba que, mais importante do que tirar a dúvida, é saber que Cristo tem todas as respostas.

E, por fim, para aqueles que são cristãos e não estão no lamaçal de dúvidas, que bom! Essa é uma expressão da graça de Deus em sua vida. Mas, apoiado nessa comunhão, você está ajudando seus irmãos em Cristo? Ou está apenas reservando toda essa confiança para você? Pense em como expressar a graça que Cristo tem expressado a você. Perceba que Jesus não usa nenhum singular aqui nesse texto. A vida cristã acontece no plural e a comunhão é expressão da vida cristã. Você possui um papel na comunidade, então desempenhe-o. Chore com os que estão chorando e alegre-se com os que estão alegres.

Fonte: VoltemosAoEvangelho.com

O Objetivo Insuperável: Casamento Vivido para a Glória de Deus

O Objetivo Insuperável: Casamento Vivido para a Glória de Deus

John Piper

Meu tópico para este capítulo é ” Casamento vivido para a glória de Deus.” A palavra decisiva nesse tópico é a palavra “para”. “O casamento vivido para glória de Deus.” O tópico não é: “A glória de Deus para a vida do casamento.” Nem: “Casamento vivido pela glória de Deus”. Mas: “O casamento vivido para a glória de Deus.”

Esta pequena palavra significa que existe uma ordem de prioridade. Há uma ordem de importância final. E a ordem é simples: Deus é absoluto e o casamento não é. Deus é a Realidade mais importante; o casamento é menos importante — bem menos importante, infinitamente menos importante. O casamento existe para magnificar a verdade, o valor, a beleza e a grandeza de Deus; Deus não existe para magnificar o casamento. Até que essa ordem seja vivida e valorizada — até que ele seja vista e saboreada — o casamento não será experimentado como uma revelação da glória de Deus, mas como um rival da glória de Deus.

POR QUE EXISTE CASAMENTO

Eu creio que meu tópico, “Casamento vivido para a glória de Deus”, seja uma resposta para a pergunta: Por que o casamento? Por que existe o casamento? Por que o casamento existe? Por que vivemos em casamentos? Isso significa que meu tópico é parte de uma questão mais ampla: Por que qualquer coisa existe? Por que você existe? Por que sexo existe? Por que Terra e sol e lua e estrelas existem? Por que animais e plantas e oceanos e montanhas e átomos e galáxias existem? A resposta a todas estas perguntas, incluindo aquela a respeito do casamento é: Todos existem para a glória de Deus.

Ou seja, eles existem para magnificar a verdade, o valor, a beleza e a grandeza de Deus. Não do jeito que um microscópio magnifica, mas da forma que um telescópio magnifica. Microscópios magnificam fazendo pequenas coisas parecerem maiores do que são. Telescópios magnificam fazendo inimagináveis coisas grandes parecerem como elas realmente são. Microscópios levam a aparência do tamanho pra longe da realidade. Telescópios trazem a aparência do tamanho pra perto da realidade. Quando digo que todas as coisas existem para magnificar a verdade, o valor, a beleza e a grandeza de Deus, quero dizer que todas as coisas — e principalmente o casamento — existem para trazer a aparência de Deus na mente das pessoas pra mais perto da realidade.

Deus é inimaginavelmente grande e infinitamente valioso e insuperável em beleza. “Grande é o Senhor, e mui digno de louvor, e a sua grandeza é insondável” (Salmo 145:3). Tudo o que existe é feito para magnificar essa Realidade. Deus clama por intermédio do profeta Isaías (43:6-7), “Trazei meus filhos de longe e minhas filhas das extremidades da terra, todos os que são chamados pelo meu nome, e que criei para minha glória ” (ênfase acrescentada). Fomos criados para mostrar a glória de Deus. Paulo concluiu os primeiros onze capítulos de sua grande carta aos Romanos com a exaltação de Deus como a fonte e o fim de todas as coisas: “Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. Para ele seja a glória para sempre. Amém” (11:36, ênfase acrescentada). Ele faz com que seja ainda mais claro em Colossenses 1:16, onde ele diz: “Por [Cristo] foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra … tudo foi criado por meio dele e para ele.” (ênfase acrescentada).

O QUE SIGNIFICA SER FEITO PARA DEUS

E ai de nós se pensarmos que “para ele” significa “para a sua necessidade”, ou “para seu benefício”, ou “para seu aperfeiçoamento.” Paulo deixou bem claro em Atos 17:25 que Deus não é “servido por mãos humanas, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todo ser humano a vida, respiração e tudo mais”. Não, o termo “para a sua glória” e “para ele” significa “para a exibição de sua glória”, ou “para a demonstração de sua glória”, ou “para a ampliação da sua glória.”

Precisamos deixar isto se fixar. Antes de tudo havia Deus, e somente Deus. O universo é a sua criação. Não é co-eterno com Deus. Não é Deus. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus …. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele” (João 1:1, 3). Todas as coisas. Tudo o que não é Deus, foi feito por Deus. Assim, uma vez só havia Deus. Portanto, Deus é a Realidade absoluta. Nós não somos. O universo não é. O casamento não é. Nós somos derivados. O universo é de importância secundária e não primária. A raça humana não é a realidade suprema, nem o valor final nem o última medida do que é bom ou do que é verdade ou do que é belo. Deus é. Deus é o único absoluto final na existência. Tudo mais é dele, por ele e para ele.

Esse é o ponto de partida para entender o casamento. Se entendermos isso errado, tudo dará errado. E se entendermos corretamente — realmente certo, em nossas mentes e em nossos corações — então o casamento será transformado por isso. O casamento vai se tornar aquilo que foi criado por Deus para ser — uma exposição da verdade e do valor e da beleza e da grandeza de Deus.

PREGUE DEUS PELO BEM DO CASAMENTO

Isso leva a uma conclusão muito simples — tão simples e ao mesmo tempo tão fora de alcance. Se queremos ver o casamento ter o lugar que deve ter no mundo e na igreja — isto é, se quisermos que o casamento glorifique a verdade e o valor e a beleza e a grandeza de Deus — devemos ensinar e pregar menos sobre casamento e mais sobre Deus.

A maioria dos jovens de hoje não traz para o seu namoro e casamento uma grande visão de Deus — quem ele é, como ele é, como ele age. No mundo não há quase nenhuma visão de Deus. Ele não está nem mesmo na lista de convidados. Ele é simplesmente incrivelmente omitido. E na igreja, a visão de Deus que os casais jovens trazem para o relacionamento deles é tão pequena, ao invés de grande, e tão fútil, em vez de central, e tão vaga ao invés de clara, e tão impotente em vez determinante, e tão desinteressante ao invés de arrebatadora, que quando eles se casam, o pensamento de viver o casamento para a glória de Deus fica sem sentido e sem conteúdo.

O QUE QUEREMOS DIZER COM A GLÓRIA DE DEUS

O que a “glória de Deus” significaria para uma jovem esposa ou jovem marido que dedica quase nenhum tempo e nenhum pensamento para o conhecimento a glória de Deus, ou da glória de Jesus Cristo, Seu divino Filho…

  • a glória de sua eternidade, que faz com que a mente queira explodir com o pensamento infinito de que Deus nunca teve um começo, mas simplesmente sempre foi;
  • a glória do seu conhecimento, que faz com a Biblioteca do Congresso parecer uma caixa de fósforos, e um estudioso de física quântica, um leitor de primeira série;
  • a glória da sua sabedoria que nunca foi e nunca poderá ser aconselhadas pelos homens;
  • a glória de sua autoridade sobre o céu, a terra e inferno, sem cuja permissão nenhum homem e nenhum demônio pode se mover um centímetro;
  • a glória da sua providência, sem a qual nem um pássaro cai no chão ou um único fio de cabelo fica cinza;
  • a glória da sua palavra que sustenta o universo e mantém todos os átomos e moléculas juntos;
  • a glória do seu poder para andar sobre as águas, limpar os leprosos, curar o coxo, abrir os olhos dos cegos, fazer com que o surdo ouça, acalmar tempestades com uma palavra, e ressuscitar os mortos;
  • a glória da sua pureza para nunca pecar, ou ter segundos de má atitude ou um mau pensamento;
  • a glória da sua credibilidade de nunca quebrar Sua palavra ou deixar uma promessa cair por terra;
  • a glória de sua justiça para acertar todas as contas morais do universo ou na cruz ou no inferno;
  • a glória da sua paciência para suportar nossa apatia década após década;
  • a glória da sua soberania, com obediência como a de um escravo para abraçar a dor excruciante da cruz voluntariamente;
  • a glória da sua ira que um dia levará pessoas a clamar às rochas e às montanhas que caiam sobre elas;
  • a glória da sua graça que justifica o ímpio; e
  • a glória do seu amor que morre por nós mesmo sendo nós ainda pecadores.

Como as pessoas vão viver suas vidas de modo que seus casamentos mostrem a verdade, valor, beleza e grandeza desta glória, quando dedicam quase nenhuma energia ou tempo para conhecer e estimar essa glória?

A MISSÃO DA MINHA VIDA E IGREJA

Talvez você possa ver porque ao longo dos últimos vinte anos de ministério pastoral cheguei a ver a minha missão e a missão da nossa igreja em alguns termos muito básicos, a saber: eu existo — nós existimos — para espalhar uma paixão pela supremacia de Deus em todas as coisas e para a alegria de todos os povos. Essa é a nossa avaliação da necessidade. Até que haja uma paixão pela supremacia e glória de Deus nos corações das pessoas casadas, o casamento não vai ser vivido para a glória de Deus.

E não haverá paixão pela supremacia e glória de Deus nos corações de pessoas casadas, até que o próprio Deus, em suas diversas glórias, seja conhecido. E ele não vai ser conhecido em suas variadas glórias até que pastores e professores falem Dele incansavelmente, constantemente, profundamente, biblicamente, fielmente, claramente, completamente e apaixonadamente. O casamento vivido para a glória de Deus será o fruto de igrejas permeadas com a glória de Deus.

Então eu digo novamente, se queremos que o casamento glorifique a verdade, o valor, a beleza e a grandeza de Deus, devemos ensinar e pregar menos sobre casamento e mais sobre Deus. Não que nós pregamos muito sobre o casamento, mas que pregamos muito pouco sobre Deus. Deus é simplesmente e não magnificamente central na vida da maioria do nosso povo. Ele não é o sol em torno do qual todos os planetas do nosso cotidiano são mantidos em órbita e encontram o seu próprio lugar, indicado por Deus. Ele é mais parecido com a Lua, que cresce e diminui, e você pode ir por noites e nunca pensar sobre Ele.

Para a maioria do nosso povo, Deus é insignificante e uma centena de coisas boas usurpam seu lugar. Pensar que seus casamentos poderiam ser vividos para a glória dele ensinando sobre a dinâmica dos relacionamentos, quando a glória de Deus é tão periférica, é como esperar que o olho humano glorifique as estrelas quando nós não olhamos fixamente para o céu noturno e nunca possuimos um telescópio.

COMO VIVER PARA A GLÓRIA DE DEUS NO CASAMENTO

Então conhecer a Deus e admirar a Deus e valorizar a glória de Deus acima de todas as coisas, incluindo o seu cônjuge, é a chave para viver um casamento para a glória de Deus. É verdade no casamento, como em qualquer outro relacionamento: Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nele.

Aqui está a chave que abre mil portas. Satisfação superior em Deus acima de todas as coisas terrenas, incluindo seu cônjuge, sua saúde e sua própria vida (Salmo 63:3, “a tua benignidade é melhor do que a vida”) é a fonte de grande longanimidade sem a qual os maridos não podem amar como Cristo, e as esposas não podem seguir como a noiva de Cristo, a igreja. Efésios 5:22-25 deixa claro que os maridos tomam seus exemplos de liderança e amor de Cristo, e as mulheres tomam seus exemplos para submissão e amor a partir da devoção da igreja pela qual Ele morreu. E ambos atos complementares de amor — liderar e submeter — são insustentáveis ​​para a glória de Deus, sem uma satisfação superior em tudo o que Deus é por nós em Cristo.

DUAS MANEIRAS QUE DEUS BRILHA SUA GLÓRIA ATRAVÉS DO CASAMENTO

Deixe-me dizer isso de outra maneira. Existem dois níveis em que glória de Deus pode brilhar a partir de um casamento cristão:

Um deles é no nível estrutural, quando ambos os cônjuges cumprem as funções que Deus destinou a eles — o homem como líder a semelhança de Cristo, a esposa como defensora e seguidora dessa liderança. Quando essas funções são vividas corretamente, a glória do amor e da sabedoria de Deus em Cristo é mostrada para o mundo.

Mas há um outro nível mais profundo, mais fundamental, onde a glória de Deus deve brilhar se estes papéis forem ser mantidos como Deus planejou. O poder e o impulso de conduzir a auto-negação e o fazer morrer diariamente, mensalmente, anualmente que serão necessários para amar uma esposa imperfeita e amar um esposo imperfeito devem vir de uma satisfação superior em Deus que dá esperança e sustenta a alma. Eu não acho que o nosso amor por nossas esposas ou delas por nós glorifiquem a Deus até que fluam de um coração que se deleita em Deus mais do que no casamento.

O casamento será preservado para a glória de Deus e moldado para a glória de Deus quando a glória de Deus for mais preciosa para nós que o casamento. Quando podemos dizer com o apóstolo Paulo (em Filipenses 3:8), “Considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor” (NVI) — quando nós podemos dizer isso sobre o casamento — sobre o nosso esposo ou esposa — então este casamento vai ser vivido para a glória de Deus.

Eu concluo tentando dizer isto de mais uma maneira, desta vez com um poema que eu escrevi para o meu filho no dia de seu casamento.

AME-A MAIS E AME-A MENOS

Para Karsten Luke Piper
No Seu Casamento Com
Rochelle Ann Orvis
29 de Maio de 1995

O Deus a quem temos amado,
E em quem nós temos vivido,
E nestes vinte e dois bons anos A nossa segura Rocha tem sido
Com você, agora nos convida,
Com doces lágrimas deixá-lo ir:
“Um homem deixará seu pai e sua mãe,
Para à sua mulher se unir
E uma só carne pura e livre ser”.
Esta é a palavra de Deus, hoje,
e estamos felizes em obedecer.
Porque Deus uma noiva lhe tem dado
Que responde tudo o que em oração pedimos
Por mais de vinte anos por ti temos clamado
Antes mesmo que seu nome fosse conhecido.

E agora pedes que eu escreva
Um poema – ato um tanto arriscado,
Já que sabes ser eu mais pregador
Que poeta ou artista. Sinto-me honrado
Por sua bravura e obedeço.
Destas doces confidências não guardo rancor
Rimas em pares e linhas contadas
São velhos amigos que dão valor
A quando assento-me mais uma vez
E convido-lhes a ajudar-me a coletar
Sentimentos num formato que os mantenha
Aquecidos e que os faça durar.

Nos encontramos nos últimos dias,
E amor e louvor fluir, fizemos
E conselhos do coração de um pai,
Dentro das margens da arte, temos.
Parte destes aqui te escrevo. O tema,
Meu filho, deste sermão poema:
Do amor, a dupla regra em questão:
Uma doutrina em contradição.

Se você quiser sua esposa abençoar
Amá-la mais e amá-la menos deverá.

Se nos anos vindouros por alguma estranha
Providência de Deus, você tenha tamanha
Riqueza nesta era, e sem medida
De dor cruzar o palco desta vida.
Ao lado de sua esposa, em saúde não esqueça
De amá-la, amá-la mais que a riqueza.

E se sua vida for tecida
De centenas de amizades e sacudida
Como um tecido em celebrações
De grandes e pequenas doces afeições,
Lembre-se, não importa os buracos no tecido,
De amá-la, amá-la mais do que a amigos.

E se houver um momento em que você
Estiver cansado e ouvir uma voz dizer:
“Sirva-se a si mesmo. Livre seja
Abrace o conforto que tanto almeja.”
Saiba que sua esposa a isto excederia
Vá amá-la, amá-la mais que a calmaria.

E quando é puro o leito conjugal
E por sua esposa há atração total.
Se nenhuma mulher tua luxúria desperta
E o êxtase em sua vida é coisa certa,
Há um segredo pra algo assim complexo:
Vá amá-la, amá-la mais que o sexo.

E se com o tempo teu gosto refinar
E tua mente assumir certo ar
De deslumbre do que o homem pode fazer
Lembre-se sempre que, o porquê
De toda obra, do coração parte.
Então ame-a, ame-a mais que a arte.

E se seu trabalho um dia for
Aquele ao qual os críticos dão louvor
E apreço, e muito puder lucrar,
Mais do que em sonhos possa imaginar:
Vede bem, pois o renome é uma trama,
E ame-a, ame-a mais que a fama.

E se não para minha, mas sua surpresa
Deus te chamar para estranha proeza,
Para tua vida por grande causa dispor,
Não hesite por medo ou por amor.
E quando o portão da morte enfrentar
Ame-a, ame-a mais que o respirar.

Sim, ame-a mais que a vida tua.
Oh, ame a mulher chamada sua!
Ame-a com o seu melhor amor terreno.
Mas não a ame ao extremo.
Ou como de um tolo será o ato seu
Certifique-se de amá-la menos que a Deus.

Não é sábio ou amável chamar
Um ídolo por nomes doces, e se derramar
Humilhado aos pés da que é parecida
Com a imagem de Deus, mas a tem distorcida.
Acima de sua amada na terra, seja um adorador
Do Deus Único que a ela dá valor
Ela viverá em segundo lugar,
E seu amor, como graça, perceberá.
E entenderá que a sua afeição
E o grande amor de seu coração,
Fluem livremente do voto seu,
De promessas feitas primeiro por Deus,
Que não irá desaparecer por estar enraizado

No fluir de alegria do céu, por ti estimado.
Mais estimado que o ar e a vida
Pra que possas oferecê-lo à tua querida.

O maior presente que à tua esposa podes dar
É, acima dela, ao teu Deus sempre amar.
E assim, ao despedir-nos te abençoaremos:
Vá e ame-a mais ao amá-la menos.

Fonte: DesiringGod